Abram alas para o Pantera Negra.

Entendo como natural e em certo sentido necessário que se comemore a mera existência de um filme como Pantera Negra. O mais poderoso filão cinematográfico do mundo resolve movimentar o enormíssimo maquinário de seus bilhões de dólares para a cultura africana, construindo e promovendo um filme feito quase que sob medida para um público que até então tinha de se contentar com uma montanha caucasiana de músculos como figura heroica. Agora não. Um multibilionário negro especialista em artes marciais trajando uma armadura invulnerável e com garras que rasgam qualquer coisa.

A discussão sobre a representatividade no campo artístico segue de vento em popa, e quando os telejornais do município resolvem importunar quem perambula nas avenidas, é sem espanto e até com certa desenvoltura que repórter e entrevistado pronunciam as oito sílabas de "representatividade". Ela, ao lado das denúncia de assédio no mundo da arte, constitui o que de mais avançado e certeiro alguém possa ter na manga caso queira iniciar uma conversa de elevador. O que eu tinha pra dizer sobre os dois assuntos eu já disse e redisse em várias ocasiões aqui no bloguinho, sempre com relação ao mundo encantado da literatura e da poesia. São pautas necessárias, necessárias até demais, se querem saber, pra que recaiam na mão da militância mais despreparada em manejar obras de arte. Ou seja: objetos de alto refinamento cultural pousando no colo de quem não está lá muito preocupado em consumir arte e sim em fustigar espantalhos imaginários e desconstruir preconceitos quase como quem risca traços n'água.

É perigoso que seja assim. A arte negra não precisa das estufas e espaços seguros construídos pela militância para que seja tratada como arte. Cobertores quentinhos tecidos de problematizações via de regra pouco ajudam a entender a verdadeira dimensão estética e cultural da arte. Acho ótimo que aplaudamos e comemoremos a notória e notável representatividade que o filme levou a cabo, mas não consigo ser simpático com essa tendência enfadonha de reservar oito dos dez minutos de um vídeo para referendá-la, deixando de lado toda a análise estética e pressupondo, até, que o único propósito dos envolvidos foi o de dar um sonoro Yes we can. Filme nenhum consegue resistir, artisticamente falando, quando tudo o que fazem dele é lançá-lo no balde sulfúrico de textões em redes sociais e críticas sociais terapêuticas.

Se não aceitarmos o desafio de lermos um filme como Pantera Negra enquanto realização artística, refreando um tantinho assim o ímpeto em jungi-lo às pautas sociológicas do dia, isto é, se não aceitarmos o desafio de investigar as estruturas de sua realização estética e debater, venha a ser o caso, as críticas feitas pela obra a partir das lentes da própria obra e não do que o botão "Compartilhar" nos induz a fazer; se não fizermos esse trabalho, então corremos o risco de abordar o longa com uma condescendência insuspeita, como se o marketing em torno da representatividade fosse o único e último patamar a que qualquer produção envolvendo negros pudesse alcançar. Ou seja: você pode ser distinto porque chamou muitos negros para o elenco (uma salva de palmas, por favor), mas não espere muito mais distinção do que isso. Volta pra cadeirinha.





Ao dizer que o racismo é estrutural, parte do que dizemos é que ele se adapta a soluções paliativas. Com toda facilidade do mundo a indústria cinematográfica pode incorporar a cultura negra como mais uma espécie de roupagem exótica a revestir a fórmula de sempre. A certa altura do século XIX era relativamente comum que poetas escrevessem sobre navios negreiros, sempre muito estarrecidos com o que o exemplo mais gritante do racismo brutal daquele tempo era capaz de oferecer. Levaria décadas e mais do que décadas, um século todo pra que começassem a se preocupar com a marginalização do negro e a perpetuação de estereótipos que o traduzem, se usando chinelo de dedo, num delinquente em potência.

Aplaudir o que deve ser aplaudido é ótimo, mas não precisamos parar por aí quase como se não soubéssemos mais o que fazer depois. É sintomático que a esquerda pareça ter esquecido como ler obras de arte. É a partir desse vazio, ou seja, é quando o grande feito da obra é o poder ser traduzida de forma automática em notas de repúdio e manifestos diluídos, que o outro lado do espectro ideológico arma suas arapucas e condena a Arte como um todo só porque chegou a seu conhecimento o vídeo de uma performance onde universitários cometem o pecado capital de cabriolarem nus na relva. Ora: se o valor intrínseco da arte enquanto arte, ou seja, se a engenhosidade ou mesmo a importância de sua existência enquanto tal, ou da existência de qualquer obra de arte enquanto tal, não é defendida em termos e terrenos propriamente artísticos, longe portanto do caldo requentado fornecido pelos pós-modernismos mais enfezados, então é claro que para as barricadas no outro lado do espectro ideológico aquilo pode e deve ser varrido do mapa mediante uma simples discordância de partidos políticos.

Pantera Negra tem todo potencial para ir além da jaula problematizadora. (Os parágrafos a seguir estão inteiramente contaminados de spoilers. Já se vacinou pagando o ingresso?) É fato que a temática da cultura negra está entranhadíssima nas malhas da obra. A cena em que Killmonger caminha num museu e contempla artefatos africanos consegue demonstrar isso muito bem. Ali ele é tratado como elemento perigoso, coisa, saberemos em instantes, que ele de fato é. No entanto, no aqui e agora da cena o que se vê é um jovem vestido como qualquer outro jovem da sua idade e que mesmo assim é tido como suspeito a ponto de chamar ao redor de si um enxame de brutamontes engravatados. Ou seja: armaram um esquema de segurança não porque sabiam que Killmonger era realmente de alta periculosidade e sim porque viram um negro esquisito demais pro nosso gosto. Eu sei lá se isso parece justificável e corriqueiro pra quem me lê, mas, supondo que seja, convenhamos que como estratégia foi péssimo reunir o grosso da segurança num único local e contra um único rapaz, facilitando a vinda do restante da gangue trajada de enfermeiros benevolentes.

Supondo que justificável e corriqueiro permaneça sendo a resposta, quero crer que o desenrolar do diálogo entre Killmonger e a especialista da seção fará seu papel de colocar uma pulga atrás da orelha e abalar as paredes caiadas da normalidade. Veja: enquanto Killmonger parece tratar cada artefato com um interesse genuíno, coisa que a atuação de Michael B. Jordan se encarrega particularmente bem, uma pergunta feita atrás da outra e sempre com um olhar encantado para o que está atrás da vitrine; enquanto é assim com Killmonger, a especialista responde de maneira entre padronizadamente simpática, entediada e desconfiada, limitando-se a indicar por alto a data e a cultura de cada artefato. A ironia logo se tornará explícita, afinal de contas ela não imagina metade dos segredos que alguns dos artefatos escondem, em especial o machado a princípio enferrujado mas que na verdade é todo feito de vibranium. A ironia está também no fato de que ela, uma especialista branca, transita com a maior naturalidade numa mostra de arte repleta de artefatos negros. É o contrário de Killmonger, que se estava ali era, obviamente, pra realizar o roubo, mas também pra ver com os próprios olhos o resultado quem sabe mais cruel da opressão racial ao longo dos séculos, traduzido por ele, e sob certa ótica com razão, como um saque, como um roubo muito mais violento do que estava prestes a realizar.

É isso o que faz um personagem tão interessante. Não me lembro de nenhum outro vilão da Marvel que tenha me tocado e conquistado tanto. Loki é divertido, tem personalidade e é interpretado por um ator que tem a simpatia do sexo oposto. Só que suas motivações são via de regra caricatas, imerso que está num conflito em família que mais parece um pastelão movido a trovoadas, efeitos especiais e punchlines cronometradas. Com Killmonger a situação é sensivelmente distinta. Ele está envolto num drama familiar de acentuada complexidade e fornece, o que é a cereja do bolo, razões interessantíssimas e quase que irrefutáveis a respeito da sua causa. Mais do que incorporar a cultura negra, o longa incorpora também o próprio debate sobre a militância, contrapondo a tendência pacifista e diplomática de T'Challa às propostas radicais de Killmonger, cujo objetivo maior é o de expurgar seu passado pessoal pela vingança e o de redimir a etnia negra pela via armada. Se a jornada de um é uma jornada da consciência e da aceitação da culpa, culminando portanto num projeto de conscientizar os povos do mundo a respeito da causa negra e não de tentar enfrentá-los com decretos mirabolantes e muros erguidos a qualquer custo (uma das cenas pós-crédito, crítica certeira à política trumpista, o deixa claro), o outro quer o enfrentamento direto e já não acredita mais no diálogo.

Não existem lados simples. Não podemos descartar um deles de forma automática pois, vejam só, é um vilão que quer dominar o mundo enviando uma tropa de alienígenas para roubar pedrinhas com poderes especiais. Se isso pode ajudar a incrementar a dimensão épica, transformando a ameaça no que de maior se possa imaginar (até que não consigamos mais imaginar o que possa ser maior, ou bocejemos ao imaginar), perde por completo a dimensão trágica, exatamente o que o conflito entre o modelo de militância de T'Challa e Killmonger representa. W'Kabi se associa a Killmonger no filme e trai T'Challa e, mais até do que T'Challa, os ritos e regras de seu povo ― porque está em busca de vingança para si. Nem T'Challa e nem seu pai, T'Chaka, conseguiram fornecer isso pra ele. Seu olhar decepcionado quando T'Challa conta que o Garra Sônica escapou é o início da traição e é, essencialmente, a desilusão de ver que sua vingança jamais será cumprida. Com Killmonger o elemento da vingança ganha outros matizes. Como dito, ele está em busca de uma vingança histórica contra a opressão sofrida pelos negros, algo que Wakanda, escondida das lentes do mundo, jamais conseguiu mensurar em sua real importância. Onde estavam os Panteras Negras diante do apartheid e dos navios negreiros? Ao morrer, Killmonger diz que quer ser lançado ao mar como seus ancestrais, preferindo a morte à prisão e à infâmia. O que ele faz nesta passagem é trazer um substrato histórico de uma força e horror que T'Challa, emudecido, mal consegue mensurar em toda sua magnitude.

Já W'Kabi não conseguiria entender nada de nada disso tudo. Ao responder para Okoye que hoje as necessidades do mundo são as de um mundo globalizado, ele se limita a querer desmanchar de forma essencialmente sarcástica (a troca de olhares na atuação o deixa claro) um argumento bairrista e preso demais às tradições. E ele não está totalmente errado. A decepção, minutos depois já no terceiro ato, de Nakia diante da recusa de Okoye em se insurgir contra o novo rei (a atuação de Danai Gurira é um espetáculo à parte), é a decepção de ver que sua amiga resignou-se a ser pouco mais que serviçal de uma estrutura social incongruente com as necessidades de Wakanda.

A jornada de T'Challa também começou como uma jornada de vingança. Em Guerra Civil sua conversa com a Viúva Negra termina com T'Challa pondo seu anel e fechando os punhos. A partir dali, como vimos, ele só deseja a vingança, coisa que os arranhões deixados no escudo do Capitão América durante a cena do aeroporto deixarão claro. No entanto, este arco pessoal se encerra quando ouve em silêncio as motivações do Barão Zeno e quando, principalmente, impede com as mãos que Zeno se mate. Mais do que, como todo herói, lutar contra a morte até de quem lhe causou tanta dor, preferindo confiar na justiça dos homens, T'Challa está ensinando para Zeno que as consequências de seus atos e especialmente a culpa não podem ser apagados como se nada fossem. Eles precisam ser enfrentados e encarados de frente. É uma solução diametralmente oposta ao que Tony Stark faz enfrentando o Capitão e o Soldado Invernal. Ali ele se rende, como qualquer um de nós se renderia, à torrente de emoções e chega a apontar armas contra aliados, amigos. Se a trama de Guerra Civil começa com um decreto estatal restringindo as ações inconsequentes dos Vingadores, que agiam de forma destrutiva demais contra ameaças destrutíveis, invencíveis e talvez incontroláveis, o arco se completa com o plano duplo da luta aguerrida entre os três heróis de um lado e a conversa entre T'Challa e Zeno no outro.

No entanto, o arco da culpa e da responsabilidade se expande em Pantera Negra. É quando o filme se refina e vai de encontro a obras de realização artística maior, por exemplo Hamlet. Já disse noutra passagem aqui do bloguinho que uma das chaves centrais de interpretação das tragédias shakespearianas é a questão da maturidade: ou seja, o modo como a personagem lida com os problemas da existência (entre eles o maior de todos: o Mal) e o modo como ela encara as consequências dos seus atos. Seguindo os passos de Harold Bloom, quem se debate de maneira mais intensa e agônica contra tais pedregulhos no caminho é Hamlet. O príncipe precisa vingar a morte de seu pai mas se afunda em pensamentos e chega a quase se ver incapaz de agir. O ápice desta inércia é quando vê Cláudio, algoz de seu pai, rezando a sós. Cogita matá-lo. A situação é perfeita. No entanto, pondera o príncipe: se o matar agora, ele irá aos céus pois morre rezando. Raciocínio impecável, claro, que o afasta, mais uma vez, das ordens dadas pelo fantasma de seu pai.

Ocorre que Hamlet não é a única personagem num arco de vingança. Laertes, na segunda metade da peça, inicia o seu, isto pois Hamlet, ao conversar com sua mãe Gertrudes e convencê-la da torpeza de seu atual esposo Cláudio, se depara com algo se mexendo na cortina e então acerta-lhe uma estocada. A tragédia é que a "coisa" se mexendo era Polônio, o conselheiro da corte que havia se escondido para ouvir a conversa e eventualmente proteger a rainha. Polônio: pai de Laertes e Ofélia. Trata-se de um segundo arco trágico dentro da peça, causador, em parte, da loucura de Ofélia e da fúria descontrolada de Laertes, que quer sangue, sangue, sangue. "The ocean, overpeering of his list, / Eats not the flats with more impetuous haste / Than young Laertes, in a riotous head", dizem a respeito de Laertes às portas do castelo da Dinamarca. A própria comparação com o oceano que devora tudo ao redor, bem como a força na escolha dos vocábulos e a intensa aliteração em T ― tudo contribui para ressaltar a violência com que a personagem reaparece na peça.

Killmonger é um camaradinha essencialmente laertiano. Sua fúria também é descontrolada, ele também quer sangue a qualquer preço. No entanto, não mede as consequências dos seus atos. Ele mata alguém como se nada fosse, o que as inúmeras marcas no seu corpo, sinais de contagem, representam. Não consegue, por exemplo, refletir ou pelo menos ouvir as razões do assassino de seu pai, como T'Challa fez. Como dito, este último amplia seu arco de maturidade em Pantera Negra e se defronta agora com as escolhas equivocadas que seu pai fez em vida e o modo como ele simplesmente fugiu do que havia causado. T'Challa, sentado com Nakia ao pé de uma montanha, pergunta que tipo de homem é capaz de fazer o que seu pai fez. E realmente. T'Challa se torna um rei mais responsável e completo que seu pai.

Ao receber os poderes do pantera negra, o indivíduo é simbolicamente enterrado debaixo da terra a fim de que acesse um plano transcendental. O único personagem que ao se ver diante da vida e da morte não acessa plano transcendental algum é o agente Ross. Mas ele, claro, não é de Wakanda. M'Baku também chega a quase morrer nas mãos de T'Challa durante o desafio, mas vence seu orgulho assim que seu oponente lhe diz que se ele morresse, seu povo, que tanto precisava dele, ficaria sem alguém. Pode-se dizer que M'Baku é o primeiro personagem do filme a aceitar a responsabilidade de ser um líder, antes mesmo até de T'Challa. Ele entende que é preciso ir além de si mesmo, de seu orgulho e rivalidade, e abraçar as preocupações de um povo. Killmonger não terá a mesma sensatez. Quando é transportado para o plano transcendental, ele volta à casa em que seu pai foi assassinado. Seu único contato com as tradições de Wakanda se dá pelas inscrições wakandianas e pelo anel achados num caderno, bem como pelo relato comovente de seu pai, que lhe conta que o pôr-do-sol de Wakanda é o mais belo do mundo. A cena é tocante. Conseguimos sentir, pelas lágrimas que correm o semblante de Sterling K. Brown, a sugestão de que N'Jobu quem sabe se lembra de Wakanda naquele momento ou se decepciona, talvez, com os rumos que seu filho tomou.

No entanto, quando comparamos com as duas cenas de T'Challa no mesmo plano, notamos diferenças cruciais. O destino de T'Challa é ser o pantera negra, o que seu contato com os antigos portadores do manto claramente demonstra. Todavia, enquanto em sua primeira ida ele revê seu pai e também se emociona, curvando-se até, no que é logo depois repreendido ("Você é o rei"), sugerindo assim que não estava de todo ciente do peso do fardo a recair sobre seus ombros; na segunda, ao contrário, ele demonstra uma maturidade muito maior, rejeitando o convite de seu pai e de todos os outros panteras para que ficasse por ali, em paz, eternamente. Não. Sua justificativa não é a de que era preciso salvar o reino das mãos de um monarca perigoso. É mais sutil e, no entanto, de muito maior. Era preciso encarar a culpa.

T'Chaka matou seu irmão N'Jobu não porque ele traiu a pátria roubando vibranium (isto, como dito no início do filme, acarretaria sua prisão e julgamento pelo conselho) e sim porque fez a maior das traições: apontar a arma para um concidadão de Wakanda. Neste sentido as garras cravadas no peito de N'Jobu pode-se dizer foram reflexo automático dos exímios instintos guerreiros de T'Chaka. Sim, concordo. Mas veja você que ele abandonou Killmonger, criança, filho de N'Jobu, na quadra de basquete improvisada frente ao prédio, pouco se importando com o destino que a criança teria. É por isso que T'Challa não pode ficar ali no plano transcendental. Ele precisa enfrentar a consequência de seus atos e, neste caso, porque é um rei, as consequências do que seu pai fez em vida.

Além disso, ele se conscientiza de tudo aquilo que Killmonger diz pois sabe que não são motivos infundados. Pelo contrário. O que adiciona uma poderosa dimensão trágica ao filme é o fato de que contrapõe motivações que não podem ser resolvidas pela dissolução mágica de uma delas. Killmonger vai além. Ele escancara um nuance da culpa pessoal que T'Challa nunca imaginou encontrar e, muito além disso, acrescenta um elemento de culpa histórica. Nem a rainha soube percebê-lo. Quando Killmonger é apresentado para o conselho de Wakanda, ela o trata como um estrangeiro que não merece ser ouvido, um lunático vindo de lugar-nenhum para desafiar o rei. T'Challa sabe que não é assim, e por isso o escuta, e por isso aceita o desafio.





As cenas finais do filme me pareceram especialmente tocantes. Ao levar Killmonger ferido de morte para ver o pôr-do-sol, T'Challa age como um guerreiro justo que compreende a dor de seu oponente. No entanto, quando responde que talvez seja possível curar-lhe o ferimento, a ênfase dada ao "talvez" é sem dúvidas o que ganha destaque. É bem possível que o tenha dito levando em conta a real gravidade do ferimento, afinal de contas não hesitou em afirmar que o agente Ross conseguiria ser salvo de uma bala de fuzil cravada na espinha e afinal de contas ele próprio, T'Challa, foi perfurado duas vezes no filme. Entretanto, o que está em jogo não é só isso. É como se ele previsse a escolha de Killmonger em morrer ali, resistindo, lutando em prol do sonho de sobrepujar a opressão racial.

T'Challa incorpora esse ideal. Há um vislumbre do novo conselho de Wakanda onde se percebe que W'Kabi foi substituído por M'Baku, o que indica que antigo desafetos se tornam aliados pelas mãos habilidosas de T'Challa como regente. Porém, a grande mostra de como ele é bem sucedido ao incorporar as críticas e a utopia de Killmonger é quando substitui a luta armada pela criação de um centro wakadense de apoio a refugiados, e isso justamente no prédio onde Killmonger criança, décadas atrás, presenciou o cadáver de seu pai.

O significado dramático da cena é evidente, assim como é evidente e tocante quando a nave de Wakanda desativa seu mecanismo de invisibilidade e se faz ver pelo grupo de garotos que jogavam basquete no local. Todos ficam extasiados e acham aquilo a coisa mais inacreditável do mundo. É quando um deles se afasta dos demais e se aproxima de T'Challa, perguntando se a nave era dele. Sim, dele ― ao que o garoto pergunta: quem é você? A essa altura já não temos dúvida de que ele é o pantera negra, não apenas porque venceu o ritual e em larga escala a jornada do herói com todos os seus pontos devidamente respeitados, por exemplo o surgimento de uma ameaça que causa a derrocada temporária do herói seguida de sua consequente redenção; não apenas por isso, é certo, mas porque se tornou o rei que Wakanda precisa, o rei apto a enfrentar a maior das ameaças: Thanos.