"A escolha", de Yeats.



Primeiro publicado no livro The Winding Stair and Other Poems, de 33, The choice inicialmente era a sexta estrofe de Coole Park and Ballylee, 1931, poema que, então, possuía sete estrofes. Depois de desentranhado, o poema receberia uma pequena variante no início da segunda estrofe: And when para When the. Nada de muito significativo, funcionando, na verdade, como forma de repartir a antiga estrofe em duas metades. Quem observa o poema, afinal de contas, notará que seu esquema rímico total corresponde ao de uma oitava rima. E a oitava rima, sabemos, foi muito usada por Yeats em sua poesia, inclusive em alguns momentos francamente altos como Sailing to Byzantium.

Vejo The choice como uma espécie de nêmesis daquele poema arquifamoso do autor, The fascination of what's difficult. Lendo este último, que na verdade foi publicado décadas antes em Responsibilities (1914), nós temos a impressão de um esteticismo quem sabe exagerado de Yeats, nisso de falar do fascínio daquilo que é difícil (pois não é isso o que muitos acusam na literatura contemporânea: fascínio por obras que são difíceis e só?). Mas tal impressão, naturalmente, é apenas impressão: o que se depreende do poema é que o poeta intenta fugir daquela vale rodeado por dois veios de artificialismo, o primeiro deles o da poesia laboriosa ao extremo, capaz de fazer com que o potro (provavelmente Pégaso, que, segundo a lenda, num coice abriu uma fonte cuja água dava a poesia a quem dela bebesse) se limite a carregar pedras, bem como o artificialismo das peças encenadas cinquenta vezes (o teatro transformado em business e a matéria humana em managament of men). Isso entendido, o esteticismo tomado por si só, seja do ponto de vista mercadológico, seja do ponto de vista puramente artístico, como que habitando uma hermética torre de marfim, é atacado já em The fascination of what's difficult, e, em The choice, a perfeição da vida (uma escolha ética, portanto) é a verdadeira via a ser buscada pela pessoa, ao invés daquele produto artístico que pode até ser muito bom, mas que, do ponto de vista espiritual, é um biscoito nem um pouco saboroso. That olod perplexity an... Ou seja: o velho assombro, que interpreto como o assombro poético, o assombro esteticista diante do mundo, é um falso assombro, incapaz de aceitar o cerne do mistério no mundo. Martim Vasques da Cunha, no final de seu Poeira da glória, citando a tradução de Bruno Tolentino para a primeira estrofe do poema, usa o argumento de Yeats como fundamental para sua análise ética da literatura brasileira, em específico da maneira como o brasileiro sempre preferiu a perfeição da obra à perfeição da vida, implicando, por conseguinte, numa penúria espiritual, num Carandiru das almas.

Compilo, aqui, todas as traduções do poema a que tive conhecimento, incluindo quatro versões interessantíssimas de Marcelo Tápia, publicadas numa edição do Bloomsday (ou Junijornadas do Senhor Dom Flor) de 2002. Incluo também versões para The fascination of what's difficult, desmonstrando, de pronto, a aceitação ampla que o poema teve entre nós. Agradeço a Wagner Schadeck pela indicação das traduções de Péricles Eugênio da Silva Ramos e Paulo Vizioli (a de Vizioli, aliás, excelente, excelente). Em minha versão para The choice, busquei manter o esquema de rimas do original, chamando a atenção, porém, à expressão raging in the dark, que, conforme apontado por muitos, é indicadora do inferno. Creio que com a escolha de "infensa" eu consegui, ainda que sonoramente apenas (e portanto tenuemente, eu também reconheço), alguma memória disto, posto que ambas as palavras compartilham o início: "infe-". Todavia, a ideia de se recusar a heavenly mansion com alguma raiva que seja já me parece mais do que suficiente em incutir uma sugestão demoníaca na coisa toda...


A ESCOLHA

§

trad. Marcelo Tápia. [1ª versão]
em:  Junijornadas do Senhor Dom Flor, Olavobrás, 2002, p. 41.
O intelecto humano deve optar
Por perfeição da vida ou de ofício;
E, se esta escolhe, deve rejeitar
Um lar nos céus, no escuro enfurecido.

Finda essa história, alguma novidade?
Com sorte ou sem, ficam marcas da lida:
Bolso vazio, velha perplexidade,
Remorso à noite, vaidade de dia.

*

trad. Marcelo Tápia. [2ª versão]
em: idem.
O intelecto do homem deve optar
Por perfeição de vida ou de trabalho;
E, se esta escolhe, deve rejeitar
Um lar celestial, nas trevas irado.

Finda a história, qual é a novidade?
Com sorte ou sem, a lida legou marcas:
Bolso vazio, velha perplexidade,
Vaidade de dia, à noite o culpar-se.

*

trad. Marcelo Tápia. [3ª versão]
em: idem.
O intelecto do homem deve optar
Por perfeição de trabalho ou de vida;
Se aquela escolhe, deve rejeitar
Um lar divino, nas trevas em ira.

Finda a história, qual é a novidade?
Com sorte ou sem, ficam marcas da lida;
Bolso vazio, velha perplexidade,
Remorso à noite, vaidade de dia.


Marcelo Tápia. [4ª versão]
em: idem.
O intelecto do homem deve optar
Por perfeição de vida ou de labor;
E, se esta escolhe, deve rejeitar
Um lar divino, no escuro em furor.

Finda a história, qual é a novidade?
A lida traz marcas, haja ou não sorte:
Bolso vazio, velha perplexidade,
Vaidade de dia, à noite o remorso.

§

trad. Bruno Tolentino.
em: Os deuses de hoje, Record,1995, p. 17.
O intelecto humano é forçado a escolher
entre a perfeição da vida e a da obra,
e se escolha a segunda sujeita-se a viver
sem a paz de um solar, na escuridão que sobra.

§

trad. Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira.
em: Disponível aqui.
O intelecto do homem é forçado a escolher
A perfeição da vida, ou do trabalho
E se escolhe a segunda tem de recusar
Uma mansão celeste, enfurecendo-se em segredo.

Quando tudo acabar, o que haverá de novo?
Com sorte ou sem ela a labuta deixou as suas marcas:
Essa velha perplexidade é a bolsa vazia,
Ou a vaidade do dia, o remorso da noite.

§

trad. Eduardo Friedman.
em: Relatório PIBIC. Disponível aqui.
O intelecto é obrigado a procurar
Ou na vida ou na obra a perfeição.
Se na obra, terá de recusar
O Céu e se dar na escuridão.

No fim da história, o que se irá contar?
A marca do esforço, fecundo ou não:
O velho estupor, a bolsa vazia,
Remorso à noite, a vaidade do dia.

§

trad. eu.
Nosso intelecto humano tem de optar:
A perfeição do ofício ou da existência.
Escolhendo a primeira, há de negar
A morada dos céus, com fúria infensa.

Quando acaba a história, então o que há?
Com sorte ou sem, o afã marcou presença:
O velho assombro ou é bolsa vazia,
Remorso à noite ou é soberba ao dia.


THE CHOICE.

The intellect of man is forced to choose
Perfection of the life, or of the work,
And if it take the second must refuse
A heavenly mansion, raging in the dark.


When all that story’s finished, what’s the news?
In luck or out the toil has left its mark:
That old perplexity an empty purse,
Or the day’s vanity, the night’s remorse.



O PRAZER DO DIFÍCIL.

§

trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos.
em: Poemas, Art, 1987. Não sei a página.
A fascinação do que é difícil, a fascinação
Secou-me as veias e alugou o júbilo
Espontâneo e o prazer do coração.
Nosso potro, algo tem-no incomodado.
Fingindo não possuir sangue sagrado
Ou de nuvem em nuvem não saltar no Olimpo,
Ele tem de tremer com relho, esforço, tranco e suor,
Como a puxar pedra britada. Ergo o clamor
Contra as peças que hão de montar-se de cinquenta jeitos,
A guerra diária aos toleirões e maus sujeitos.
O negócio do teatro, o gerenciar homens.
Juro que antes de nova aurora despontar
Encontrarei o estábulo e o ferrolho hei de puxar.

§ 

trad. Augusto de Campos.
em: Linguaviagem, Cia das Letras, 1987, p. 174-175.
Poesia da recusa, Perspectiva, 2011, p. 181.
O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de sucesso que se escrevem
Com cinquenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente.
Juro que antes que a aurora se apresente
eu descubro a cancela e abro o cadeado.

§

trad. Paulo Vizioli.
em: Poemas, Cia das Letras, 1993. Não sei a página.
O fascínio daquilo que é difícil
Seca-me a seiva e arranca-me afinal
A alegria espontânea e natural
Do coração. Maltrata o sacrifício
Nosso potro, sem jeito de sagrado,
De haver no Olimpo as nuvens visitado,
Pois treme, sua e sofre neste ofício
De arrastar pedras. Eu maldigo a peça
Que após cinquenta encenações tropeça,
A briga diária com a asneira e o vício;
Gerência de homens, carga financeira.
Juro que puxo a tranca da porteira
Antes que novo dia tenha início.


THE FASCINATION OF WHAT'S DIFFICULT.

The fascination of what’s difficult    
Has dried the sap out of my veins, and rent    
Spontaneous joy and natural content    
Out of my heart. There’s something ails our colt    
That must, as if it had not holy blood,

Nor on an Olympus leaped from cloud to cloud,    
Shiver under the lash, strain, sweat and jolt    
As though it dragged road metal. My curse on plays    
That have to be set up in fifty ways,    
On the day’s war with every knave and dolt,

Theatre business, management of men.    
I swear before the dawn comes round again    
I’ll find the stable and pull out the bolt.