Kobayashi Issa (1763 - 1828).


(Uma estátua de Issa em Kashiwabara. Créditos.)


Issa é um dos quatro maiores haikaístas japoneses, ao lado de Bashô, Buson e Shiki. Foi um poeta muito prolífico, tendo escrito ao todo cerca de 21 mil haikais. Também escreveu haibun, ou seja, livros de viagem onde se mesclam passagens em prosa com haikais, e renku, que são poemas compostos em colaboração (a poesia escrita em colaboração ainda hoje é um gênero dificílimo).

Muitos de seus haikais apresentam uma visão simples das coisas, uma humildade mesmo, como quando por exemplo ele fala da lua que ilumina o ladrão de flores. Sabemos que a cosmovisão do haikai implica um despojamento por parte do poeta, o que é uma consequência do haikai não ser, na cultura nipônica, simplesmente um gênero poético, mas também e acima de tudo um estilo de vida. Mas nos haikais de Issa nós conseguimos ver a atenção às coisas pequenas, aos detalhes tão banais que parecem adquirir um tom inesperado e não raro com pitadas de humor ― e isso com mais clareza ou pelo menos com mais constância do que na produção dos outros três grandes haikaístas. Parece-me até que Issa é, dentre os quatro, o preferido do leitor hoje. Como dito por Paulo Franchetti (aqui e aqui), essa popularidade pode ser explicada pelo humor franco de seus poemas, pelos temas prosaicos e pelo número baixo de referências a obras orientais clássicas.

Meus conhecimentos em língua japonesa não são nem um pouco satisfatórios, mas, pra tentar estimular meus estudos, resolvi me arriscar a traduzir um haikai de Issa de minha preferência. Ele foi publicado duas vezes. Primeiro no livro Kakuban, de 1812, e depois no Issa hokku shû (一茶発句集), de 1829. Esta última coletânea, póstuma, foi preparada por alunos de Issa. O leitor pode lê-la online aqui. Não consegui encontrar um link para o Kakuban. De todo modo, a versão que traduzo é a primeira versão, ou seja, a versão disponível no Kakuban.

No primeiro verso, は indica ênfase. É por isso que a tradução de Stryk e Ikemoto traduz este verso para "never forget:". No último, 見 é olhar, mas かな, no final da frase, dá a ideia de maravilhar-se (か é um prefixo enfático e な, no fim da frase, indica emoção ou também ênfase), de modo que 見かな, mais do que simplesmente olhar, é contemplar. Ou, pra citar novamente a tradução de Stryk e Ikemoto, "gazing at". Ainda neste último verso, encontrei um site (aqui) que substitui かな por 哉. Este último é um arcaísmo e significa uma interjeição: algo como um Uau!

Os haikais de Issa possuem, em língua inglesa, um ótimo site de apoio, com cerca de 10 mil haikais traduzidos: o Haiku Guy. A informação de que existem duas versões para o haikai que traduzo, por exemplo, advém deste site. Em japonês o leitor pode ler todos os 21 mil aqui. Por fim, o uso do dicionário online Jisho foi fundamental para que a tradução fosse possível.





trad. eu, 1ª tentativa.
lembre-se: neste mundo
no teto do inferno
contemplando flores



trad. eu, 2ª tentativa.
lembre-se que andamos
em cima do inferno
apreciando flores



trad. Lucien Stryk e Takashi Ikemoto, aqui.
Never forget:
we walk on hell,
gazing at flowers.



trad. Robert Hass, idem.
In this world 
we walk on the roof of hell, 
gazing at flowers. 



trad. David G. Lanoue, aqui.
in this world
over hell...
viewing spring blossoms



originais.
yo no naka wa
jigoku no ue no
hanami kana



世の中は
地獄の上の
花見かな