A Lira dos Poetas.



DE ONDE BROTAM OS LAÇOS.

A base da Lira dos Poetas nasceu no Recanto das Letras. Cadastrei-me lá no final de 2011. Presumo que, já no começo de 2012, a formação original já estivesse no ponto de bala. Todos poetas atuantes da seção "Sonetos", que sempre me pareceu a mais organizada do site, alguns laços de amizade foram formados entre os membros graças ao fato de que nos dispúnhamos a comentar com sinceridade e sensibilidade os poemas uns dos outros.

Não creio que haja algum vexame até aí. O site dá uma possibilidade muito bonita a seus usuários: a possibilidade de que pessoas que levam muitas vezes uma vida sofrida, corrida ou, se não quisermos romantizar a coisa toda, uma vida que poderia muito bem passar batida, de publicarem seus textos, publicarem um pouco de sua real intimidade. Naturalmente que o resultado muitas vezes é catastrófico, e o que vemos é uma miríade de desconhecidos comentando os poemas uns dos outros querendo apenas mais comentários em suas páginas. Novidade nenhuma. E que não fere o valor positivo do site como um todo, que sempre me pareceu uma maneira muito eficiente de mantermos a poesia viva: fazer com que as pessoas produzam e que, frente a comentários para com seus textos, no geral respeitosos (conheço poucos casos contrários), se animem a produzir mais. Certo que isso tende a produzir uma massa maior de escritores que de leitores, o que é um problema também grave. Mas o que pude ver em minha experiência no Recanto, onde, de praxe, eu particularmente sempre me contentei muito mais em comentar que produzir, é que, quando um recantista lê o comentário de alguém que de fato leu seu texto, ele parece se impelir a ele próprio fazer o mesmo durante um certo tempo com os outros. Como que numa corrente do bem. Óbvio que às vezes o resultado é mais uma vez catastrófico, pois o recantista tende a escrever uma série de elogios estéreis, e, mea culpa, eu mesmo pratiquei esse esporte em demasia. Hoje entendo a gravidade do problema, e tanto é que, como o leitor poderá ver no longo-pequeno comentário que fiz sobre alguns recantistas que me chamaram a atenção, logo abaixo, o problema da lisonja não estava de todo ausente.

Seja como for, os laços de amizade foram formados e presumo que mais ou menos no final de 2012 já tínhamos um grupo definido e uma antologia de poemas no prelo. Chamava-se Relicário. Um pouco depois, lançamos Lira da Morte. Não me lembro se cheguei a participar das duas. De Relicário eu tenho certeza. E me envergonho um pouco de tê-lo feito, pois os poemas que enviei são, hoje vejo, horríveis. Mas, pensando no assunto, logo vejo que é besteira me envergonhar ou rechaçar o que publiquei então, vez que o que realmente importa, olhando em retrospecto, é não o valor do poema, mas o valor de estar ao lado de amigos.

Um site foi feito para o grupo: aqui. Uma página de facebook também: aqui. No início, a página se pautava muito pela publicação de sonetos, inclusive numa fôrma característica. Depois, caiu no ostracismo. No começo do ano corrente, peguei o boi pelo chifre e me pus a administrá-la. A ideia geral era a de fazer algo mais ou menos constante, com postagens programadas etc. Mas relaxei e hoje tento, pelo menos, manter vivo o espírito.

Como o leitor verá, o apreço do grupo é pelo soneto. Nascemos em torno do soneto e ainda hoje é ele que nos une. Todos no grupo são sonetistas, o que, se você for parar pra olhar bem, é uma forma bem eficaz de ser um poeta ruim. (Entenda-se: o que faz um bom poeta não é ele ser "bom sonetista".) A formação inicial possuía características gerais românticas, especialmente ultrarromânticas, que meu comentário abaixo poderá expor com mais clareza. Depois expandiu, tornou-se um grupo de debates no facebook (aqui) que já teve seu momento áureo mas que hoje caiu no ostracismo. Haviam discussões boas que pipocavam de vez em vez, malgrado o fato de que elas sempre reuniam as mesmas pessoas. E por isso, algumas discussões depois, o miolo do grupo se afastou e decidiu criar um grupo privado denominado O Cavaquinho dos Poetas.

E assim estamos hoje. A Lira dos Poetas não é um grupo que entrará para a história. A Lira dos Poetas está absolutamente fora da história. É um retrocesso em muitos sentidos. Somos todos poetas antiquados, camaradinhas embalsamados. Mas temos um laço de amizade que nos une, para além, talvez, de características externas ou de tonalidades cromáticas, quem sabe. E se isso, eu espero, perdurar por pelo menos algumas décadas, então o lado literário se torna supérfluo.


Já não ostento, hoje, um ano depois, o tom feliz e saltitante com que escrevi este texto. Por exemplo, hoje eu admito que é dever da crítica ser linha dura e não depôr loas a quem não merece loas, a quem não enfrenta o problema da contemporaneidade de maneira séria. Logo, se hoje tivesse de reescrever o texto abaixo, certamente o faria de maneira muito mais impactante e demolidora.

Contudo, ainda creio que é dever do crítico manter uma posição a mais ampla possível acerca do fenômeno poético, de modo que não desistiria de comentar os poetas que comentara. Se a verdade é só uma, a de que nenhum deles é um bom poeta ou algo sequer perto disso, ainda assim possuo a firme convicção de que a maior bandeira de todo crítico de literatura contemporânea deve ser a esperança: e no fundo, se me esforcei em empreender um comentário mais demorado sobre os poetas abaixo, é porque confio que, com esforço, abandono e reinvenção, eles podem um dia vir a ser bons poetas.

E a esse respeito, torçamos.

04/06/14.


Esclareço que o texto abaixo foi publicado em
31/03/13.
A postagem inicial pode ser vista
aqui.

Eu bem que podia ir colocando os links certinhos dos poemas comentários logo abaixo; mas daria um enorme trabalho, de modo que será mais cômodo para mim deixar que o leitor ele mesmo pesquise no Recanto. Mesmo porque, com o pós-escrito logo abaixo, nem todos os poetas dA Lira dos Poetas possuem perfil no Recanto (e, a bem verdade, alguns poetas comentados logo abaixo nem são dA Lira). Limito-me apenas a indicar os perfis daqueles que possuem cadastro, e a indicar a proposta de Poesia Retrô (aqui) de Rommel Werneck, importante para a leitura dos poetas de coloração negra.


NOTA INTRODUTÓRIA.

Não tenho uma noção exata de quantos textos se seguirão a este, nem o espectro de poetas que poderei contemplar. Meu objetivo aqui não é o de realizar uma análise profunda; apenas busco fazer um comentário mais amplo sobre a obra de poetas que acompanho e, se possível for, futuramente também de poetas que desconheço.

Mais exatamente, busco assinalar virtudes. Não me interessa saber se são suficientes para que os mesmos possam vir a ser rotulados como "bons". Ao contrário da prosa, é perfeitamente possível que um poeta tenha bons poemas, bons versos ou boas metáforas e mesmo assim seja ruim. Meu trabalho não é um trabalho de crítica; é, antes, um recenseamento que tenha como fim mapear onde a produção poética contemporânea tem acertado para que se possa criar um panorama tanto do que se produz quanto do que eventualmente se lê ou do que se leria. Julgo que esse trabalho é tão fundamental quanto o trabalho de detectar pontos a serem trabalhados (ou de apontar quem são os "novos nomes", as "promessas"); na verdade, creio que, estruturalmente, a inspeção dos pontos em que a poética hodierna se sobressai é até mesmo de maior ajuda, visto que muitos críticos e teóricos da dita crise literária contemporânea são ledores medíocres de poesia (entenda-se: capciosos, tendenciosos).

Não desejo também que este texto possua muitos comentários. Ficarei mais feliz se as pessoas contempladas e até mesmo as não contempladas se pusessem a fazer o mesmo, se pusessem a comentar com mais demora o texto uns dos outros para que, desse modo, possamos sair e quebrar essa corrente de mera cordialidade que se apossa tão poderosamente da ferramenta Recanto das Letras (e de qualquer círculo literário lá fora). Qualquer leitor pode comentar sobre poesia, desde que seja alfabetizado e saiba ler e redigir um texto. Não é uma questão para eruditos ou especialistas. Mesmo, e acima de tudo, um poeta pode comentar sobre poesia. Pois, afinal das contas, como alguém quer se chamar poeta se não é capaz disso? A condição básica de todo artista literário é a condição de prosador, visto que a condição básica da literatura produzida é a prosa, seja ela ficcional ou não. Assim, é fundamental que o poeta, para que consiga sequer sustentar tal posição diante da palavra, seja um leitor atuante.

Na verdade, essa questão da não leitura de poesia é tão grave que, do volume considerável de textos que li a respeito da chamada crise da poesia contemporânea, é quase que uma unanimidade que um dos problemas mais danosos para essa mesma produção poética é o fato de termos mais autores que leitores. Isto é, nem os críticos e nem os poetas comentam o que outros artistas criam, mas apenas produzem e, vez ou outra, emitem comentários tácitos uns aos outros e tapinhas nas costas.

É uma pena. É uma pena pois apenas temos a perder. Nesse estágio da contemporaneidade, é fundamental que passemos a ler mais a poesia do outro e parar de fazer mecanicamente a nossa, visto que, de resto, a poesia não nasce sempre. Mesmo que o comentário feito não possua esteio, esse esforço tem de ser feito tanto por aqueles que possuem facilidade quanto por aqueles que não. A chamada crise da poesia contemporânea só será subjugada quando o solo para a leitura de poesia estiver pronto e adequado. Não com flores que rompam o asfalto ou obras que pasmem por sua originalidade gritante. Obra nenhuma poderá gritar na contemporaneidade, diga-se de passagem. A única vanguarda possível para os tempos atuais é a vanguarda de leitores.

Estes são os meus desejos e meus princípios. Não deve ser visto como trabalho de caridade ou ajuda humanitária; é apenas uma forma de se questionar, sob a perspectiva do leitor e não do autor, e com as mangas arregaçadas, a paradoxalidade da produção hodierna. Além, é claro, de ser o depoimento de um leitor apaixonado por poesia.


INTRODUÇÃO.

Meu critério de classificação é puramente sinestésico. Ou talvez nem tão puramente. No caso dos sonetistas aqui comentados, percebo neles nitidamente uma "filiação" à escola romântica, uma tendência em escrever sonetos que vão desde o spleen byroniano ao romantismo clássico, garrettiano, hugoniano. Mas, sendo um ou outro, percebe-se em todos uma relação tortuosa com a existência que lhes impele a escrever de forma densamente sentimental, usando-se de características linguísticas que, naturalmente, se reconfiguram na obra de cada um, mas que podem ser traçadas em linhas gerais se caracterizarmos os instrumentos típicos da poesia romântica (p.ex. interjeições, aféreses, síncopes) ou os instrumentos com que o senso comum rotula a poesia dita "antiga" (p.ex. a combinação de palavras raras).

A ordenação dos autores foi cromática: dos autores cuja "coloração negra" de suas obras é maior até aqueles que possuem uma diluição desse clima soturno.

§§§

ESCRITORES COMENTADOS.

[Todos os poetas comentados são cadastrados no presente site [ou seja, o Recanto das Letras]. E, é óbvio, possuíam sua conta ativada até a data de publicação primeira do texto [31/03/13]. Desse modo, os textos citados poderão ser lidos em suas respectivas páginas.]

Outro aspecto a ser ressaltado é que, como alguns possuem obras extensas, não pude contemplar nem comentar a totalidade dos poemas. Em alguns casos, não pude nem sequer ler. Mas, como tenho um conhecimento prévio da obra destes artistas, busquei eleger alguns poemas antológicos para partir de base para o resto. No final de cada um, sugiro uma pequena seleção de quatro poemas que julgo serem dignos de nota.



Rommel Werneck é um dos sonetistas mais consolidados no estilo romântico de escrever. Ou, conforme ele intitula um de seus textos, Poesia Retrô, "poesia passadista". Texto este, aliás, de sumo interesse para que possamos entender técnicas e procedimentos que os poetas seguintes utilizarão de formas variadas.

Seu soneto mais lido é Luto eterno. Escrito com uma tônica mefistofélica, com um ódio contido e ao mesmo tempo um sarcasmo bem destilado, o poema começa com uma interjeição e, logo depois, com uma metáfora que escancara o pathos trágico e patético que assola a pessoa a quem o eu lírico se dirige: "Viúvo que já provou ardor pleno / Mas não viveu o sagrado matrimônio."

O que estes versos desvinculam é a ideia da felicidade materializada em instituições consagradas, no caso o "sagrado matrimônio", com a felicidade concebível ou alcançável. O interlocutor é viúvo, mas nunca se casou, o que não lhe impediu de provar o "ardor pleno". Desse modo, é de se imaginar que o que lhe falta ou o que lhe mata(ou) é a ausência ou a corporificação desse "ardor pleno", se observarmos o soneto numa perspectiva platônica.

É o que se vê nos próximos versos, novamente de uma antítese muito bem construída que demonstra todo o roteiro que o interlocutor sofreu ou felicitou-se ao longo de sua jornada idealística. E tão forte ela foi, ou tão forte ela deixou de ser, que os dois últimos versos do segundo quarteto demonstram uma súplica que cresce e reconfigura o plano até então exposto: "Quanto amor, quanto amor, quantos suplícios! / E hoje nem sei quem sou e nem se estou vivo!" Isto é, o ardor pleno que se desmantela na equação amor+amor+suplício, ou amor+amor=suplício, se fez tão danoso pelo simples fato do poeta prová-lo com todas as suas contradições que sua existência se transformou numa incógnita, o que, de resto, foi muito bem construído ao longo da primeira estrofe e a impessoalização da voz lírica.

Esse tormento se conclui nos tercetos, em que toda a crise que assola o poeta encontra uma solução: "Por isto, converti-me em rubro Luto". O adjetivo "rubro" contraposto a "Luto" talvez demonstre que a única forma de estancar essa angústia tenha sido a partir do aceitamento de uma ferida que não cessou de sangrar. É provável que bem seja isto, visto que o desfecho do último terceto mostra um crescimento que se avoluma até o último verso do poema: "Do Luto, nobre e virgem prostituto!" Assim, invertendo a equação sobre as instituições consagradas que havia se iniciado com o "sagrado matrimônio" ou as referências angelicais endemoniadas, entendemos que o Luto Eterno a que alude o título é o luto de ter de superar a dor a partir do instante em que tanto a felicidade quanto a desolação afetam e massacram o Indivíduo, a não ser que esse indivíduo resolva se prostituir e manter sua pureza impura para com essa morte que se desata na vida.

A última antítese desse soneto de tonalidades antitéticas contrasta com o soneto Lua Lacrimosa, onde observamos um tom menos atormentado. Menos atormentado pois o acalento para com a Lua cria um ritmo que embala o leitor, apesar de esconder alguns precipícios. Precipícios, por exemplo, vistos no primeiro verso, onde a ordem do eu lírico para que a Lua não chore é desfeita pelo próprio caráter "lacrimoso" da Lua.

Assim, desenvolvendo-se sobre a esteira de uma Lua que consola pois é capaz de gerar a poesia, a última estrofe do poema delineia bem a opção do poeta em ser ou ser obrigado a ser um rejeitado, em ir contra e não buscar mais o ardor pleno referido no poema anterior. O soneto Meu Passado também analisa a relação conflitante com a felicidade que tivemos e a que os outros podem experimentar, relação essa cujo resultado impele o indivíduo à reclusão "na mais negra necrópole / (...) / No ponto mais distante da metrópole" de que fala o soneto Anjo Morto. Ou, "Tudo corre entre sombras e mais luz...", como diria o poema Lado Obscuro, lançando uma luz nessa relação de contrários que assola a existência humana, existência constante e tortuosa dita em Florescência: "Mórbida vida, estranha adolescência!"

Rota angustiante e depressiva, conflito sem fim para com o mundo que se demonstra como um jogo de enganos e alçapões, como se a felicidade plenamente não existisse, o tom de oração satânica do soneto Ó bela morte ecoaria num poema de dimensões melódicas, em gregorianos anapésticos, denominado "Nós, os pobres mortais", em que a poesia se mostra como uma saída contra a pretensão de obter o ardor pleno: "O céu nunca devemos galgar". No entanto, o ritmo sorumbático que a poesia de Rommel possui ainda se vislumbra nos detalhes, especialmente quando lemos versos como: "Já que vós nos Elíseos reinais", onde a solução de aceitação da morte de tal vida ainda se mantém presente.

Outros poemas são mais otimistas, no entanto. O clima de Submundo adquire uma sensualidade que consegue dar cores mais vívidas até mesmo ao inferno: "P'ra esta nossa caverna, nosso hell / Eu te daria um beijo eterno". O poeta adquire uma postura mais humanizável em relação à morte, e mesmo em poemas de franco tom decadente como No fim da noite, temos versos como "A morte vai virando mulher bela..." que humanizam e tornam a vida mais suportável, por mais que o clima de desilusão ainda exista.

Essa trilha de caminhos sinuosos, de guinadas sutis e uma linguagem sombria se plasma e contradiz, e se enriquece, no soneto O Próprio Deus!. Talvez seja por isso que seus tercetos finais são de uma beleza singela, possuem um encantamento que se desabrocha no verso: "Eu vejo algo supremo de esperança". É que na alma do poeta parecem coexistir duas facetas, por mais que uma delas, a mefistofélica, se sobressaia em relação àquela de tonalidades angelicais. O que não impede, naturalmente, que os versos escritos percam seu vigor quase que esbravejado. Inocência Sensual, Magno Soneto ou A Papai* são apenas alguns poemas onde o caráter angelical, ou de uma serenidade intensa, podem ser vislumbrados.

Outros poetas, porém, tratarão essa dualidade com mais radicalidade. Em Rommel, ela não deixa nunca de parecer antitética.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Luto Eterno, Lua Lacrimosa, No fim da noite, O Próprio Deus. 


Alysson Rosa também possui uma consolidação no panorama do grupo. Mas sua posição não é mais a de ataque, como Rommel na maior parte das vezes ostenta; Alysson, que possui uma característica misantrópica em sua poesia e ao que tudo indica em sua pessoa, é quiçá o único poeta do grupo que de fato encontrou meios de encarar e trasladar sua misantropia para a esfera poética: criou um universo próprio, fez de sua poesia uma espécie de diário ou janela onde ele, e seus leitores (o que é importantíssimo), vislumbram as coisas que ocorrem lá fora.

O soneto Alysson Rosa possui muitas passagens que mostram essa atitude intimista de sua poesia (para além do próprio título, claro), onde destaco: "Que nada mais existe, além de mim, / Ou que escolhi sofrer e ser suicida…". Naturalmente, existem vários outros; poderia até mesmo dizer que a maioria, posto que, conjunto à misantropia, vem o egótico. No entanto, apesar de sua poesia não só partir, mas ter esteios no interior e na vida interior do artista, vemos que em muitos o poeta apresenta uma angústia de tonalidades negras, uma busca pela morte, ou do suicídio (que é recorrente em seus poemas), que, como se emplastram de sentimentos próprios ou sentimentos pertencentes a um universo próprio, dão um sabor de veracidade que, ainda que falso, contribui para a coloração tão fúnebre de seus versos. Assim, esse clima denso e hermético de sua poesia não nasce da raivosa contraposição antitética de ideias, mas nasce literalmente do poeta, fazendo com que a leitura de seus poemas dependa crucial e estruturalmente de uma leitura biográfica do homem por detrás deles (como se lêssemos os sulcos de sua mão e não os traços na página).

"A minha mente é um triste cemitério", diz o poeta em Meu Cemitério. No final: "Um cemitério inteiro de lembranças." Verso sem dúvidas nevrálgico para o entendimento de sua obra, em que se vê que o poeta, inteiramente povoado de uma existência desiludida, massacrante, não parece ter sossego espiritual nem mesmo na contemplação do passado, o que muito provavelmente Calvário de Brinquedo atesta. Ou o poema O Estranho do Colégio. Ou o poema Sorrisos e Lágrimas, que termina:

         Não hei de ter em vida o que preciso;
         Quero gozar dum último sorriso
         E então morrer fremente de paixão.

Mesclando o desejo de integração com a esfera social, o poeta almeja um amor, mas não exatamente um para que possa viver seus dias até o fim dos dias (ele não suportaria tanto). Muito provavelmente, quer um para que consiga realizar um acerto de contas com seu passado, visto que o presente é o que o poeta descreve em Repugnância: povoado de "vozes repugnantes / (...) / E tão nocivas, dessa gente ignóbil." Isso requer um gozo muitas vezes associado ao sonho, fato visto no soneto homônimo O Sonho: "No mundo dela, estávamos a sós. / O mundo era um jardim florido (...)". Ou o gozo anteriormente aludido de buscar esse amor numa esfera pretérita e inalcançável, o que insere a temática da amada morta ou do amor morto de maneira definitiva na lírica do grupo. Em Desamparo, por exemplo, lemos:

         Agora que te encontras sepultada,
         Eu preferia estar no teu jazigo.

As razões são bem claras, conforme vimos. Mas, em todo caso, nota-se que, apesar do vislumbre da amada aparecer em seus versos, isso não implica necessariamente que seu passado foi bom ou que a fruição do amor seria boa, conforme também pudemos comentar. É quando aparece um poema como Dilema, cuja abertura é bastante significativa: "É triste ver as coisas como estão / E nem saber se um dia foram boas...". Além do mais, a associação dos momentos de felicidade com os momentos de dor se aproxima e não se aproxima dos poemas supracitados de Rommel: a diferença é que ambos não ocorrem de forma concomitante, mas, para desespero do eu lírico, uma coisa se segue à outra, fato esse justamente apercebido na hora em que não se vislumbra esperança alguma de melhores tempos. É o que ocorre claramente em Uma Dorida Ironia ou os versos de Suicídio podem também incutir: "Eu vejo a corda como um lindo ofídio / Ansiando constringir-me até gozar."

No amálgama dessa poesia de raízes profundamente pessoais, em que o poeta questiona sua própria capacidade de comunicação artística (veja-se Expressão Limitada: "Quem lê meu verso nunca vai saber / O quê, de fato, é que eu tanto lastimo."), a aproximação de planos terrestre e angelical se dá a partir de uma descrença, o que apenas acentua o isolamento existencial e emocional do poeta. Em Misantropia:

         Eu não queria humanos no meu quarto
         E agora 'Nem os anjos são bem-vindos'.

A nota explicativa ao poema é bastante elucidativa; mas, dos dois versos recortados, observa-se que a aproximação entre a figura do anjo e tudo o que ela pressupõe com o quarto, com os humanos, é de uma concisão de extrema dor, o que o verso "E tão odiosa a Vossa companhia!", com o V maiúsculo em "vossa", atesta. E tal evocação do anjo, que em poemas como Meu Anjo Morto unem a esfera amorosa com a esfera pessoal ("(...) Oh minha Diva, / Tu és meu coração, meu anjo morto!..."), servem para complementar as duas facetas que predominam na obra de Alysson, por mais que falar em "facetas" não seja a rigor correto, já que ambas retratam e pertencem a um único tônus, a um único modo doloroso de escrever poesia que se emplastra univocamente de sua obra. Ou de sua vida, posto que Alysson soube uni-las e, aparentemente, jamais separá-las.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Misantropia, Alysson Rosa, Meu Cemitério, Expressão Limitada.


Derek Soares de Castro é um poeta que mescla o sentimento de clausura existencial dos dois anteriores com uma composição arquitetônica de seus poemas. Retrata-o perfeitamente o poema Arquitetura, em que se vê uma criação de tonalidades simbolistas que serve e servem como definidor do espaço gótico que perpassa seus poemas. Derek não se espraia na manifestação diretamente sentimental como Alysson, o que lhe permite sem sombra de dúvidas um comedimento maior, uma precisão que se afasta da ideologia meramente romântica. E mesmo a construção antitética que Rommel trabalhou e que contribui para o adensamento do caráter negro de seus poemas é aqui transformada em pinceladas, em detalhes que sustentam habilmente o tônus do poema.

No âmago desse modo de produzir se encontram algumas palavras-chave, recorrentes no conjunto dos sonetos à maneira dos leitmotivs. São palavras que, muito antes de evocar o clima antigo que Rommel idealiza em seu texto Poesia Retrô, servem para criar um clima taciturno que transforma mesmo um poema de matizes generalizadores em um poema sombrio, como é o caso de Dizeres Póstumos ou As Tuas Mãos, onde neste último observamos como a técnica esfumaçada de Derek atua: o "pêssego oloroso, / De textura suave e acetinada" que as primeiras estrofes descrevem logo se transforma numa descrição lânguida que mostra o estado de espírito do eu lírico: "Um pergaminho caro e suntuoso." A epígrafe contribui sobremaneira para esta inserção que transforma a alvura de vida da mão da amada em alvura de morte (é um dos raros casos no grupo em que a epígrafe foi de fato usada, e não como mero adorno proposto por Rommel).

Mas isso não implica que a utilização de vocábulos e a construção sintática dos poemas não sirva também como esteio às produções. Em Outonal o primeiro verso tem uma eloquência camoniana: "Tem-me a mente a mostrar a senectude", e, mesmo que um verso como "Qu'eu sou o outono mais lamure e triste" mostre um quê de piegas ou cacofônico, o cômputo geral reaproxima o poeta da poesia de Alysson ao mesmo tempo que o afasta pela gravidade e seriedade com que Derek burila seus versos. É o que se vê no Soneto em Sangue, onde se sobressai o rigor e a harmonia com que as imagens sanguinolentas confluem para uma única expressão, para um único quadro: "Tu me cortaste todos os pedaços, / E num sanguinolento véu disperso..." (atentar-se para a palavra "véu", uma de suas palavras-chave).

Tal visão mais afastada e mais fria da poesia, onde o poeta adota uma posição bem-definida em relação à sociedade e a seu suposto destino social, acaba obrigando-o a retornar a temas já tratados, ressignificando-os a partir de pontos de vista distintos. Em L'architecture, por exemplo, já não temos a construção puramente visual do soneto Arquitetura, mas uma construção que metaforiza a condição espiritual do eu lírico para com a arquitetura, como se a vida toda do artista tivesse sido algo malfadado: "Daquelas tardes fatais de Setembro", aludindo mais uma vez ao tropos do nascimento-morte, com a diferença de Derek de fato ter nascido num 13 de Setembro (ver o poema Nascido Numa Sexta-Feira 13), o que cria uma esfera individual e não necessariamente pessoalista para tal condição.

No soneto As Minhas Mãos essa técnica adquire um nível nitidamente bom. A descrição da própria mão, que termina com um paralelo ao final do soneto parônimo, é acompanhada de uma série de adjetivos que, justapostos, terminam num cômputo igual, ou talvez maior, que o da direta expressão sentimental. É o que vemos em: "Enlaguescidas, tão magras, vazias... / Têm os relevos de fúnebres hortos". Nódoa d'Outono é outro poema que dá significados novos a esta estação tão presente na poesia de Derek. Pois, ao contrário da misantropia que se pode ver na poesia de Alysson, a poesia de Derek consegue uma fusão maior entre o lá fora e o aqui dentro, entre a descrição que poderia se passar por alegre, não fosse o fato crucial dela ser triste. O verso que abre o poema, "Nos cinamomos d'ambáurico outono", é um exemplo interessante dessa dualidade.

Mas existem outros poemas em que esse aspecto se perfaz de forma mais gritante. "Angelitude", poema de grande comovência, se afasta do que vimos na poesia de Rommel ou na de Alysson, onde a fusão entre os planos sagrado e profano, entre a luz e o sombrio não se efetuava. Aqui, em meio à criação de uma imagem de natureza angélica, vemos versos do tipo "A expressão sepulcral da morte, interna", ou "Em nuanças fatais, arroxeadas, / Como se fosse a própria noute eterna", que contribuem para que uma ambiguidade (não antítese) exista ao longo do soneto. Ele não é nem sombrio nem luminoso, mas luminosamente sombrio, sombriamente luminoso.

Parte disso se deve ao que já dissemos, isto é, que a construção de bases imagéticas da poesia de Derek permite ao eu lírico um certo distanciamento em relação a seu poema. O poema Ângelus talvez indique essa característica com mais propriedade, visto que ele é de bases puramente imagéticas; entretanto, Nos Braços de Maria é certamente um dos ápices dessa mescla entre planos opostos tomando como fundo uma imagem.

É o que o verso inicial atesta: "Recordo-me da imagem d'outro dia", seguido de outros três versos que descrevem com precisão e palavras bem colocadas o tom negro que perpassa o poema. A segunda estrofe estende o que é descrito, com a diferença de focalizar agora em Maria e, sorrateiramente, introduzir um verso que alicerça uma das bases góticas do poema: "Na lágrima mais triste que caía". E assim ao longo dos tercetos até o momento em que o eu lírico personaliza a estátua no último verso, coroando de forma esperada um desenvolvimento que o leitor ele-mesmo poderia vislumbrar.

Outro aspecto digno de nota é a utilização, por parte do poeta, de ritmos diversos. Do grupo que analisamos Derek é, sem dúvidas, um dos mais habilidosos no quesito da cadência. O soneto Jazigo Perpétuo demonstra bem essa forma de trabalho, onde destaco: "No negror dos sepulcros tão mestos...". Como a poesia de Derek possui uma construção mais concreta, ou de fundos imageticamente concretos, é natural que ele se paute por um trabalho rítmico diferenciado.

Os poemas O Último Canto dos Pássaros resume tudo o que já se foi dito e bem caracteriza Derek. Nele vemos uma predominância da cor branca, em especial pela referência aos ossos que se desfazem, fato visto também no poema Necropsia. Como Derek não é propriamente um poeta sombrio, mas um poeta gélido de paisagens sombrias, essa preferência parece ter uma razão de ser; no entanto, é de se notar que a poesia de Derek faz uma comunicação com a estética simbolista, fato anteriormente apontado. Metemspciose é, nessa via, uma de suas obras-primas, unindo tanto uma atmosfera simbolista com um retrato musical e instável ("Esfumaram-se numa fumaraça...") quanto um questionamento de temas que começam a se amparar num esteio filosófico ("Tudo tem um princípio, meio e fim") e que se resumem no fecho de ouro, de estruturas metafóricas que reelaboram a temática do outono e dos pássaros que se vão ("Pois sei que amanhã noutra revoada").

Por fim, o contato que pressupõe uma relação fria e sem lapsos sentimentais de grande monta não é uma regra em sua poesia. Exemplos existem em que o poeta atinge uma esfera mais pessoal, como seria o caso dos poemas Eu e Âmago, onde, apesar de suas características embrionárias aparecerem aqui ou acolá, o débito geral é o de um poema que consegue se realizar bem, ainda que não tão bem quanto outros no conjunto da obra.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Metempsicose, Nos Braços de Maria, Eu, As Minhas Mãos.


Maurilo Rezende não é tão frio quanto Derek. Nem tão esbravejante como Rommel. É uma poesia que se permeiam da sátira, da ironia, de relances que corroem o objeto de análise. E esse objeto de análise, não raro, é o próprio poeta.

Seu mais recente soneto, Iscariotes, demonstra em alguns pontos essa técnica amarga e ao mesmo tempo sarcástica de retratar cenas. Mas, ao contrário de Derek, não as cria para construir um pano de fundo a seus poemas; lembra mais a técnica de Alysson, com fins a criar um mundo paralelo e só, uma espacialização mais vaga e esfumada do "eu". O número de reticências explicam esse fato, muito utilizado por Maurilo para suspender a ação e deixá-la numa espécie de devir: "Horas finais de Judas... Lá estou...". Seus versos dão a impressão de terem sido construídos para serem lidos em voz baixa, tão sussurrados que parecem, acessíveis apenas àquele leitor que for capaz de lhe vislumbrar o toque irônico. Em Iscariotes, o último terceto deflagra bem o que estou dizendo:

         Já co' baraço em suas tristes mãos,
         Não aceitou os meus conselhos vãos
         E partiu... Bem mais nobre que estes versos...

Isto é: Judas, apesar de ser um traidor e apesar de ter sido ridicularizado ou apequenado ao longo do poema, é ainda assim mais nobre que o poeta, o que é feito de forma surpreendente pelo leitor que encara a cena paulatinamente construída em seus olhos.

Cena esta que só é possível graças às técnicas até certo ponto cinematográficas de Maurilo. Se seus poemas são construídos com paciência, e se a imagem que vislumbramos nunca está completa, Maurilo deixa para o último instante aquela revelação que virará o poema ao avesso. Utiliza-se da chave de ouro com uma perícia que poucos poetas do grupo saberão manejar. O poma Prostituta é outro bom exemplo, construído de modo análogo a "Iscariotes": ao longo das três estrofes temos um depreciamento da figura da prostituta que se desconstrói e inverte bruscamente nos últimos momentos do poema, onde percebemos que toda a suposta carência da profissional é consideravelmente menor que a de seu cliente.

Outra implicação desse modo de escrever está no sentimento de desistência que se emplastra em seus versos. O poema 299.792.458 m/s constrói um sentimento de submissão que se duplica na última estrofe, quando "Eu te vejo partir para voltares". É uma espécie de declínio, um abismo que sai dos versos "Obcecado desejo tenho em mim / De voar junto a ti por um momento" para o começo de uma constatação desencantada: "Por que tu nunca vens por onde vim?"

Desencantamento, palavra-chave, se une com desistência e forma uma maneira de ver a vida diferente. Maurilo não é a rigor um pessimista ou um misantropo, mas alguém que desilude ou está em processo de desilusão. Para com o primeiro processo, é comum o poeta utilizar-se da já citada ironia; para o segundo, o processo de decaimento é o mais usado. Mas existem também aqueles casos em que o poeta adota uma perspectiva de um otimismo sincero, por mais que pintalgado de leves toques de ambas de suas construções características: é o caso de Inteligência, mas, mais especificamente, e com grande louvor, do poema O Maior Amor do Mundo, texto verdadeiramente comovido onde o auto-sarcasmo se vê quando o leitor compara os extremos do poema (isto é, o primeiro e último verso). Irmão em grandeza para com este último é o poema Irrespondível, que se inicia com cordas que anteveem um prosaico muito bem construído, distante do clima pueril de Alysson e mais próximo da face Calibã de Álvares de Azevedo. A reflexão em Maurilo parece ser mais madura, e isso mesmo se considerarmos que a queixa do eu lírico no último verso fora respondida no final do segundo quarteto: "Sem ao menos fazer-te contente...".

aMOR, apesar de não ter a mesma força dos anteriores, possui uma tessitura irônica maior que a média de seus poemas, visto que o que os últimos versos dizem se conecta com o título antes que apenas ao primeiro. Poesia é também ácido à sua maneira, sempre com uma espécie de riso que não se faz tão presente no poema Ao Inferno. Neste, a perspectiva atormentada se inicia com um belo verso: "São centenas de cravos no meu peito". Mesmo aquele sentimento de decaimento dá lugar a uma exceção, a um uníssono que entrevê o fracasso e o massacre da existência se enredarem nos campos do escárnio doloroso, porque real: "Quem me dera saber se o deus que existe, / É o mesmo deus que me abandona triste".

Esse Maurilo já não é o Maurilo de Prece, poema de raízes religiosas que, conforme estamos vendo, é uma tônica comum no espírito romântico. Se a vida é dolorosa, é desilusão, então ou o poeta se refugia contra tudo e contra todos, ou então busca um contato com o eterno para que sua efemeridade passe mais depressa, para que sua dor seja breve. Explica-o o poema antitético a Prece, Mefitismo, onde se troca a figura de Deus pela figura de Satã.

Mas não explicaria a exceção à regra que é o poema Meu coraçãozinho, poema que começa com uma grande ironia ("Está dodói meu coração agora...") para terminar em versos reconfortantes, versos praticamente isente do prosaísmo que Maurilo porventura se utiliza para expressar a camada de deboche que em alguns casos subjaz (por exemplo, em O Soneto Mais Bonito ou Médio Médium).

A razão disto talvez seja simples: Maurilo é uma espécie de poeta de transição. Não é tão depressivo, pois encontra no humor, por mais negro que seja, um conforto ou uma forma de ataque. O próximo poeta, grandemente influenciado por Maurilo, apesar de se afastar dos fundamentos corrosivos e ofensivos, ainda assim consegue transpor mais a barreira dos próprios sentimentos e assume outros ares, menos e ao mesmo tempo mais melancólicos.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: O Maior Amor do Mundo, No inferno, Meu coraçãozinho, Prostituta.


Renan Tempest é o poeta a que me refiro. Sua evolução poética nunca deixou de flagrar esses dois momentos de enunciação, vistos com clareza pelo leitor nos sonetos A Morte do Amor e Arco-Íris no Escuro. Enquanto o primeiro possui uma técnica de composição que se embebe nas reticências de Maurilo, o segundo consegue variar estruturalmente e apresentar uma solução otimista no final, por mais que a metáfora que conduz o soneto e seu título sejam de latente dualidade. Afora isso, a fórmula de composição dos versos, de teor claramente exagerado, não encontra paralelo em nenhum dos poetas até aqui analisados, em especial pelo fato de que a poesia de Renan, nesses dois poemas, é mero pastiche.

Lado Negro do Amor, no entanto, inicia o processo de construção de uma voz poemática. Renan põe de lado a suspensão que tentara embeber dos versos doutrem e passa a buscar uma forma de enunciação que se demonstre mais emocional e sincera. Não que a poesia dos outros poetas não o fosse; a questão é que, com Renan, o advento da temática do amor deixa de ser um caminho desilusório à dor existencial para se revelar como uma manifestação dessa mesma dor de existir, mas isso de modo que essa tal dor apenas se manifeste quando o contato com o outro tenha-se efetuado. Logo, sua poesia não é exatamente misantrópica como os poetas até aqui comentados construíram de modo maior ou menor; é uma poesia que, por meio do amor, pode eventualmente impelir o eu lírico a esse tipo de posicionamento (ainda que, com a evolução de Renan, o amor vá se vislumbrando como um meio de anular a depressão).

O poema Não chores esta noite demonstra, pelo cuidado com a amada, esse fato, tão presente na literatura romântica clássica (Renan talvez seja, do grupo, o mais romântico). Mas os versos de Sonhador, que deixam entrever um poeta que se enamora das questões utópicas, também ressaltam esse caráter e essa busca do amor que reconheça no outro uma possibilidade de ser feliz: "Onde o Amor não é só uma velha lenda." Em Lágrimas de Fogo, com epígrafe de Alysson, o andamento do poema parece desmenti-lo: "Solidão... fujo dum mundo qu'ilude / Com vãos sorrisos, vis encantamentos, / (...) / Sinto-me bem nas trevas solitário", não fosse o fato do final do poema novamente apontar para essa visão esperançosa da humanidade e de si mesmo: "Verto de fogo lágrimas, sem vê-las / Lúgubre e endoudecido p'las estrelas." Isto é, mesmo que o poeta tenha se confinado na solidão, ele não deixa de ver "Lúgubre e endoudecido" as estrelas, ou, mais especificamente, ele não deixa de verter "de fogo lágrimas" para estas mesmas estrelas. O paralelo entre as lágrimas de fogo e as estrelas, que cria uma comunicação dificilmente percebida pelo leitor, aos poucos será mais trabalhada por Renan na medida que sua arte se apurar; por hora, os dispositivos antitéticos, irônicos ou ambíguos que Rommel, Maurilo ou Derek manejam serão apenas indiciados.

A busca expressa em Etérea Paixão mostra que o poeta apura seus instrumentos. O calor frio ou o frio calor que ele nos mostra pelo ardor de seus pedidos é contraposto a "Amor frio, silente no vazio", um de seus melhores versos, sem dúvidas e quando contraposto a outros que conseguem se mostrar tão cacofônicos: "Tua soturna falta feles cria...". Este último advém do poema A Imagem da Morte. Não é de seus melhores; antes, o contrário; no entanto, o final dele é digno de nota:

         Transformei lágrimas em negros versos,
         Tentei verter lamentos vãos, submersos...
         Em versos tristes para a dor sair!

A ideia do segundo verso enriquece ou reitera o primeiro. É como se Renan estivesse guardando seus melhores truques linguísticos para o final. Mas apenas "como". Em "Minh'alma chora por teu amor" temos, em especial no primeiro quarteto, a prova de que a evolução de Renan se enveredava para o campo de construção de cenários à Derek. É o que o poema Lua Lacrimosa apresenta, todo ele composto numa tessitura que remete ao poema de Rommel e inclusive o suplanta em algumas áreas. No primeiro quarteto, por exemplo, vemos a contraposição entre a "minh'alma escura" do eu lírico e a Lua de "resplendor (...) tão brando e tétrico". No primeiro terceto, por sua vez, observamos um contato que relembra o do poema de Rommel, em que uma espécie de cantiga de consolo era dada à Lua; a diferença com o poema de Renan é que o poeta, "Bebendo vinho misturado aos sonhos", contempla a "pulcritude eterna" do astro "E os ecos ouço de teus ais tristonhos." Andamento assim não poderia dar em outra coisa: o eu lírico deseja ser o lenço da Lua para que, com isso e à guisa do que diz Camões, grandes mágoas possam curar mágoas.

Pálida sob a Lua também apresenta a Lua como pano de fundo. Mas apenas como pano de fundo. Afora as cacofonias de que Renan não parece ter se livrado, o poema mostra no primeiro quarteto uma construção muito bem feita, o que apenas se enriquece nos versos "Com os olhos cerrados, taciturnos; / Com a boca escarlate, chamejante...", donos de uma contraposição que consegue resumir o estado de espírito e o estado de decomposição da amada. Estado de decomposição esse que se espraia ao longo do poema Sangue em meu amor, um poema que parece dialogar com o Não chores esta noite, diferenciando-o deste pelo tom desiludido que o poeta agora vislumbra nas relações amorosas. É, naturalmente, um poema abaixo da média, posto que vai contra a tendência natural do poeta. O contrário poderia ser deflagrado em Musa Gótica, onde a técnica de contrapor duas ideias opostas ou de matizes opostos em dois versos seguidos é novamente utilizada: "Pálida, a reluzir na noite escura, / Lânguida tal qual uma rosa pura". Destacaria também o verso "Flor regada p'las lágrimas de Deus", composto de uma imagem que se faz forte e genuína.

Forte e genuíno é o tom do poema Ode às Estrelas. Como visto, em poemas passados as estrelas tiveram importância para que o poeta pudesse superar a tristeza; aqui, de forma mais nítida, temos esse desejo conduzido em versos que se afastam de todas as técnicas que o poeta tentou se aportar, construindo, no débito geral, um poema triste em versos fortes. Mas isso não implica em mudança de caminho. Trágica Beleza, que retrata uma cena já desgastada ao longo dos tempos, é apenas um poema triste em versos tristes. Ou, para ser mais justo, é um poema ruim em versos medianos, o contrário ocorrendo com Bela Tristeza, onde se vê uma construção mais interessante, um poema que se pauta num "enredo" (a rigor, poesia não tem enredo) que culmina com a chave de ouro e uma revelação surpreendente (mas não irônica). Na verdade, algo esperado, visto que ao longo do poema o poeta relata uma cena volúpica com tonalidades crepusculares ("Numa tarde invernal, velando o dia").

Poema que consegue se emplastrar de singeleza e boa realização é Lembro-me de ti, um dos melhores do poeta e um dos poucos ao longo do grupo que se pode dizer genuinamente romântico (em especial pela paráfrase à Álvares de Azevedo). Mas o poeta logo começará a quebrar essa mero círculo de perscrutação interior para contemplar outros temas. A esfera cotidiana, que é invariavelmente tema da poesia dum Alysson, começa a se demonstrar insuficiente para Renan. Vemos isso em especial no poema Ateísmo, onde destaco um trabalho mais agradável com a sonoridade dos versos. Não se deduz dele que Renan mudou totalmente de caminho; na verdade, o ateísmo faz parte da formação individual do poeta, de modo que tudo o que ele faz é apenas tratar de assuntos de seu espírito que lhe são comuns. O poema Capitalismo, que tece uma crítica ao sistema mencionado, é outro exemplo do mesmo, talvez com a diferença de ser um poema inferior a Ateísmo.

Se bem que nem um nem outro são dos melhores poemas de Renan. O poeta alcançou um nível de maturidade que aos poucos lhe vai excluindo estes momentos de revolta sem fundamentos. Lágrimas d'amor é um excelente soneto de uma sonoridade bastante peculiar, com versos que beiram a cacofonia mas que se renovam de modo impressionante. Coincidentemente ou não, são os versos 3 e 7, paralelos. Outro exemplo interessante, mas de realização não tão alta, é Pálida Donzela, onde se pode destacar o final do poema, de boa utilização das rimas em "-ão", ou os versos: "Dissipaste-me o gélido quebranto, / Que por muito habitara como lar". Outro aspecto digno de nota é o costume do poeta de iniciar o segundo quarteto com um verbo, pondo sem mais delongas o plano da ação do interlocutor ou do objeto de estudo logo após o tom em geral climatizante do primeiro quarteto. É uma forma de sintetizar e harmonizar a descrição espiritual com a descrição paisagística no decorrer dos dois quartetos.

Claro que isso não é regra. Sozinho..., por exemplo, não apresenta esta técnica, mas, antes, cria uma micro-narrativa que lembra o tom com que Alysson cria seus poemas. A diferença é que em Renan mesmo a solidão é acompanhada, e mesmo o fim trágico do amor consegue encontrar coerência e condolência por parte do leitor. A concepção anteriormente aludida, de que Renan trabalha o amor como algo necessário ao ser, é vista em seu pleno desenvolvimento no poema Amor, onde o poeta se põe a definir o indefinível. Sem dúvidas, um soneto de grande realização que se fecha com uma contraposição entre morte e florescimento que parece resumir a cosmovisão romântica do grupo.

A safra de bons poemas, ou simplesmente um estágio de composição poética muito mais sério, é também visto no poema ..., de clima notoriamente noturno que só encontrará paralelos com o próximo poeta comentado. Ou talvez nem mesmo com este, visto que a inclusão de versos longos contribui para a criação de um clima em suspenso que maximiza o efeito das reticências. É algo parecido com o que se constrói em Donzela Morta, com a diferença deste último demonstrar o tropos do "ardor pleno", da alegria máxima da vida que se faz seguir da morte (ainda que existam ressalvas a serem feitas, como o que o verso "A sua face ainda mais se descorava..." parece aludir: isto é, que a amada do eu lírico não estava morta, mas estava morrendo). O mais recente soneto de Renan que contempla essa construção climática é O Fantasma da Ópera, que começa: "Nas profundezas duma ópera sombria". O termo "sombria" aparece sobremaneira não apenas na produção de Renan, mas na produção de qualquer poeta do grupo; no entanto, neste verso em especial temos uma construção a partir de três termos (profundezas+ópera+sombria) que destacam e sobrelevam o esfumaçado do local.

O soneto Amar-te possui um ótimo começo. O final talvez exiba uma cacofonia: "E o amor o porque que tu partiste." Talvez uma materialização da incompreensão do eu lírico, de sua dor, de seu espanto. O amor como causa de partida é surpreendente na poesia de Renan. Provável que não na poesia doutro poeta; mas outro poeta não poderia escrever um poema como Falsa Crença, em que os giros externalizadores de poemas como Ateísmo ou Natureza Plangente conseguem encontrar um norte, conseguem encontrar uma razão de ser num poema sem dúvidas bem feito: "Talvez seja a fé na noite um luar, / Chama muda que nos muda o viver".

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Lua Lacrimosa, Lembro-me de ti, Amor, Falsa Crença.


Sergiomarcio é a consolidação da técnica ambientalística de compor poemas. Mas não uma consolidação fria, uma consolidação que requer uma contemplação como o caso Derek; as paisagens que Sergio compõe são paisagens vivas, palpitantes porque se emplastram duma emoção original. Ou ao menos original até aqui: Sergio é o poeta mais velho do grupo, o que automaticamente incute o fator da vivência e o fator do passado em seus poemas. Logo, nós não podemos contemplar suas paisagens pois a base delas é o crepúsculo e não o estático da noite, é a dissolução e não o post-mortem.

No poema Viagem, de bases densamente emocionais, o poeta consegue exibir com clareza esse fato, ainda que se valendo de construções que contrariam a gramática. É o caso das vírgulas errônea ou calculadamente usadas que ajudam na construção de um ritmo pausado, arfante. "Meu corpo extenuado a vagar / Por entre os, negros, becos sem luar": apenas um pequeno exemplo do andamento, do recorte utilizado pelo poeta que também se vislumbra em Recordação, em especial no segundo quarteto, onde a descrição consegue definir as emoções do eu lírico com maior clareza do que, por exemplo, "Na fúnebre saudade, ainda iludido...".

Sobre isto, gostaria de citar uma estrofe de O Brilho do Olhar:

         Há de embalar-me a nênia mais doída
         Num cântico a ecoar pela cidade
         Lamento em dor, que leva, a mocidade,
         De amores e ilusões, já destruída

À parte a utilização errônea da pontuação, para a qual não podemos apontar uma raiz exata, o poema possui uma densa mescla entre emoção e paisagismo, sempre de se notar que a construção de um clima urbano aparece em Sergio de um modo que nenhum outro poeta do grupo explorará. Não precisa ir a uma necrópole para encontrar a "nênia mais doída", bastando encontrá-la "Num cântico a ecoar pela cidade". É que o poeta consegue ver vida, por mais fúnebre ou depressiva que seja essa visão, mesmo na morte, fato visto no poema Setembro, sem sombra de dúvidas um dos melhores sobre a referida época do ano. A razão é simples: além da inspiração de Sergio advir de instantes de extrema dor, e não mera dor de cotovelo, o tropos do nascimento-morte é ressignificado duma forma que nem Alysson ou Derek vislumbrariam:

         Nas cinzas, do relvedo, a vida nova
         Do broto, que surgiu, por sob a cova
         Morrido, pelo inverno, em tantos ais...

Onde se deve notar que o broto, "a vida nova", surgiu "por sob a cova", isto é, debaixo da cova. O detalhe é pequeno, mas possui uma implicação profunda na estrutura do poema. Outro detalhe pequeno é o que constrói o poema Declínio: refiro-me à contraposição entre o pôr-do-sol do primeiro quarteto e o voo das aves num céu marítimo, criando uma paleta de cores que, pela força de seu contraste, cria uma riqueza muito distinta do cinza esfumaçado comum no grupo. Isso se vê mesmo em poemas de fundamento sombrio, como é o caso do cataclismo em Tênue Mocidade, onde o pôr-do-sol, constante na poesia de Sergio, se imiscui de: "Nas alvas elegias de um rosário / Badalam os tristes sinos da cidade".

Essa preferência pelo crepúsculo, ao contrário da preferência pelas horas escuras da noite, é vista no poema Íncola Etéreo, em especial pelo primeiro quarteto e pelo primeiro terceto. Mas a visão otimista, que já havia sido deflagrada em Renan, parece também coexistir no meio da poesia de Sergio, fato visto na tonalidade apocalíptica de O Sonho Augustino, paráfrase de Augusto dos Anjos, que reflore "Num mundo novo de perfume e flores". Vê-se, por fim, da coloração crepuscular, mas de forma metaforizada ou alegorizada, em "Labirintos", onde destaco o verso: "O templo flui-se no arrebol aflito", verso esse que apenas um poeta com experiência e vivência poderia ter escrito.

O Sol e a Lua, poema nem tão recente e nem tão antigo do poeta, se imiscui de um sensualismo interessante. Mas apenas interessante. A máquina poética de Sergio não parece funcionar à base das sugestões, o que difere seu paisagismo do paisagismo de Derek. E mesmo um poema de ritmo forte, como é o caso de A Morte deste Poeta, parece não se realizar plenamente quando o poeta busca construir, com base na morte, o que suas tendências internas não lhe permitem descrever: ou seja, um clima soturno, um clima contrário à vida que o poeta tende a adicionar em suas composições, por mais definhante que seja. É por isso que os versos parecem se contradizer: "Perdido coração, bate, indolente" com "No vasto necrópole do peito meu", para não mencionar o verso "Etéreas harpas, fúnebre sonata" que, apesar de bem feito, é mal colocado no conjunto da obra.

Outra metáfora de construções, digamos, necrosadas, onde o sombrio ou a decomposição de um cemitério ou coisa do tipo é utilizado para descrever o eu lírico; outra metáfora assim vemos no começo do poema Quem sou eu???. É inclusive quase igual à citada anteriormente: "Do triste mausoléu que em mim habita". Apesar de Sergio falhar na utilização destes recursos, é interessante notar como a construção do clima vai deixando de ser inteiramente externa para se tornar aos poucos interna. Isto é: se nos primeiros poetas do grupo nota-se que sua misantropia decorre do fato de não se encaixarem na realidade que os cerca, obrigando-os a procurar sua necrópole, em Sergio temos uma inversão disso, onde o poeta povoa de vida a realidade e vê dentro de si a necrópole aludida. E isso não mais num movimento de ódio, sarcasmo ou até mesmo depressão, mas num clima de tristeza desnorteada. É uma espécie de paradoxo, visto que a tristeza do poeta aos poucos vai deixando de ter fundamentos, posto que o ambiente que em que ele se inclui é um ambiente vivo.

Em A Minha Noite podemos vislumbrar um pouco desse processo. Mas, de modo integral, é provável que apenas em Minh'alma poética, onde o tema recorrente da tristeza que gera a poesia ganha um ligeiro significado a mais: em determinada parte o poeta afirma que "o mundo é um jazido... / Um vasto, leito, fúnebre, um abrigo / Pra nossos restos pútridos de dor", sendo que no começo dissera: "Tão novo e sinto a vida se esvaindo". Entendemos desses versos que o poeta não vê a morte como algo tão terrível ou mesmo procurado, visto que a diminui no começo do segundo quarteto, mas, antes, vê na falta de vida ou na perda da vida a causa mor de seu sofrimento. 

"Ecoa um choro, feito praga, triste / Neste peito, rebate, que persiste / Viver e até morrer neste tormento", é o que nos diz o poeta em Meu sofrimento. Nos poetas que se seguirão, essa espécie de paradoxo será acentuado até suas raízes mais contraditórias, até o momento em que o poema deixará de ser triste e passará a exibir uma concepção heroica da vida. Se em Sergio a dor de existir possui início na vida que se vai e não no anseio da morte, ou no medo da vida, ou na reclusão para com a vida, os dois artistas seguintes darão continuidade a este processo, de resto coerente na conjetura interna do grupo ou na conjetura de suas influências.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Viagem, Recordação, Minh'alma poética, Setembro.


Nestório da Santa Cruz já não é um poeta tão triste. O que é um problema: se a estética ultrarromântica se entrevê em suas produções recentes, como produzir poemas sob estas coordenadas se o combustível se escasseia? Ao contrário de Alysson, que consegue escrever sonetos sobre qualquer coisinha, Nestório vê a necessidade de externalizar sua voz numa espécie de "enredo", numa história que consiga contar por si mesma, mas não de forma tão direta, seus sentimentos. O poeta elenca uma correspondência para sua tristeza, uma forma de contar (sentimentalizar) algo que, por não ser seu, é justamente seu.

Messe Dolorosa, de uma sobriedade e calma notáveis, mostra como esse fato se constrói. Além da busca do amor como fonte de salvação, e não como produto nefasto, vê-se que a busca pela dor se delineia não mais como uma base, um fundamento, mas como um fim: "- Uma ferida cura outra ferida -". O poema As tuas mãos, com versos de grande originalidade como "São mãos de freira, monja e pecadora", possui uma chave de ouro que, além de bem feita, trabalha essa ideia de maneira interessante:

         São mãos que secam meu suor nervoso,
         A batizar-me o derradeiro gozo,
         Na extrema unção, quando me sinto leve.

Naturalmente, existem aqueloutros que possuem uma inclinação típica para com o grupo, o que seria o caso de O olhar de Luana ou Eu. Mas, tanto num como noutro, podemos ler: "Contento-me ao ver de teus olhos as cores..." (compare-se com o final do mesmo, que já possui outro tom: "Oh, quero morrer p'ra viver em teus olhos!") ou "Nas horas dolorosas sinto a vida / Como uma cortesã no seio meu". Outros processos são também vislumbrados, como algo que se aproxime da individualidade à Alysson (em Afago Maternal) ou como a ironia no soneto (A)Colhedora; mas esses, muito antes de indicarem falta de estilo, atestam apenas que o poeta possui um amálgama de influências, mais especificamente de influências que se encontram também e fatidicamente no interior do grupo, fazendo de Nestório aquele que consegue aproveitar com maior facilidade e monta as melhores técnicas de seus companheiros de grupo.

No entanto, observa-se que o poeta desenvolve um procedimento inédito para o panorama desse mesmo grupo: o procedimento da ficcionalização, isto é, o criar-se uma espécie de "enredo" (com a problemática do termo anteriormente aludida) para que o poeta consiga dar não apenas um fundo a seu poema, uma base como em Derek, nem uma base viva, como em Sergio, mas literalmente uma espécie de animação, uma história, o retrato de figuras e seres que, retratados, consigam ser o retrato de suas emoções. Os exemplos são vários, onde se pode dar como exemplo a imagem dos lábios, anteriormente citadas, que ressurge no poema A virgem da sepultura: "Seus lábios, então, sem cores / Morriam-lhe na garganta" (creio que a simples vinculação viva do lábio à fala já mostra como, mesmo em imagens relativas aos mortos, o poeta dinamiza o que metaforiza).

A sequência de dois sonetos próximos, quase que gêmeos, como é o caso de Anjo Recolhido e Anjo Indigente, mostra com grande perícia como Nestório arma e faz corresponder sua técnica desenvolvida. As primeiras palavras costumam ser bem cruciais, dado que o poeta não perde tempo para fazer seu aparato funcionar (ao contrário de Derek, que tem a relativa liberdade de poder incluir uma "palavra-chave" quase que em qualquer parte do poema), fato visto com clareza em "Velas. Flores. Imagem comovente", de Anjo Indigente. Mas a caracterização da coisa retratada, muitas vezes uma cena aparentemente estática (ou que se capturou como estática), além de seguir as pinceladas com que Derek cria suas paisagens, entrevê também uma análise psicológica espelhada, como nos versos de Anjo Recolhido ("Um anjo meigo, ao fim do triste ordálio / Que a vida ofereceu na curta estrada.") ou na recorrência com que o poeta trata de figuras litúrgicas como monjas.

A ficcionalização permite o advento da condolência, da compaixão, o que aos poucos vai distanciando (ou aproximando a partir de novos ângulos) o poeta de sua esfera puramente pessoal. Nos dois sonetos anteriores podemos ver isso de forma clara; no entanto, em poemas como À luz do poente..., podemos observar claramente que a afinidade com a dor que o outro deveras sente é o grande motor que propulsiona essa abordagem:

         Que mágoas! Ai, que mágoas! Que tristeza!
         Aquele olhar sincero, azul turquesa
         Fitava um outro espírito no breu.

Pode-se citar outros excelente exemplos, como Camponesa (que redunda, como a maior parte de seus poemas, na morte, de modo que eles mesmos podem ser caracterizados como histórias de morte), ou poemas que possuem um andamento ficcional diferenciado, tratando da primeira pessoa e ao mesmo tempo combinando a ambientação e uma certa sequência temporal para a construção de outra, como em Meu Lar. Ou o poema Se me queres... me deixa!, de um genuíno sabor romântico (creio que o mais) e de versos realmente bem amarrados: "Pois a vida não passa de um momento / Onde o sol pela tarde é sombra escura..."

Talvez a melhor metáfora sobre a vida feita no grupo, diga-se de passagem. O que não é surpresa nenhuma para um poeta que se especializou em insuflar vida.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Camponesa, Anjo Recolhido, Messe dolorosa, Se me queres... me deixa!.


Felipe Valle apresenta uma obra em que se antevê uma concepção funesta, típica dos sonetistas que acompanhamos no grupo. Mas, se minha ordenação estiver clara, sua concepção nem sempre antevê no mundo uma cadeia de acontecimentos cruéis, podendo o poeta vislumbrar instantes de paz nessa mesma vida que lhe povoa. Veja-se o Íntima Lua: "Dores que meu viver encurvam, / Olvido-as co' a luz que m'encanta!", onde o tratamento com o satélite terrestre demonstra que uma mudança de concepção está sendo efetuada no panorama do grupo (o que também não é tratado de modo absoluto, bastando-se observar em Desejo de Morrer: "Seriam ao redor meu, fantasmas, / O que me cerca; apenas miasmas, / Que exalam fétidas do spleen...").

Em Sepulcro Flóreo, lemos: "Afeição bela da estação pretérita", logo depois, na segunda estrofe, que convém ser citada integralmente:

         P'ra mim cintile, pois que só desata,
         A fibra límpida, no céu prepara
         A luz do meu ser, e então ampara
         Luzindo etérea a inocência emérita.

Seu trabalho com as rimas é digno de nota, bem como a construção de seus títulos, fato notado por alguns de seus leitores. É que tanto um como outro contribuem para a construção de uma atmosfera negra, essencial para que o passado do poeta consiga ser tratado de forma ao mesmo tempo nostálgica e trágica, pois, como ele diz em Triste Realidade: "Nada me restou na vida. / Desfez-se como a fumaraça, / Do ledo sonho uma desgraça". Essa realidade não é a sua realidade de fato, mas a realidade de saber que tudo se perdeu, que sua existência, por curta que tenha sido, não conseguiu captar o que a vida trouxe de bom (é o que ele diz, nesse mesmo poema: "Na alma saber que tudo jaz...").

No poema Fugacidade da Vida temos uma demonstração disto:

         Ó Tempo, és tão cruel e assustador...
         Deploro pela dor que se esvaece,
         Símil a triste flor que em vão fenece
         No vale da lembrança encantador.

A "dor que se esvaece" é, muito provavelmente, a grande dor das cousas que passaram, como diria Camões. A metáfora da flor é também digna de nota, em que se vislumbra uma transferência da dor existencial não para o poeta em-si, mas para tudo o que ele um dia possuiu. Isso automaticamente implica no processo de reconhecimento do Outro como forma de existência e mesmo escapatória rumo à felicidade, sem com isso implicar uma relação amorosa genuína como vimos despontar em Renan Tempest. No poema Profundezas do Teu Eu, lemos: "Fui sentindo... Meu ser por ti ornado." Apesar do cunho amoroso aqui se despontar, vemos que o eu lírico encara o Outro como um esteio, uma base fundamental para sua existência e manutenção de sua lucidez, ou mesmo de sua felicidade ou vislumbramento de uma. É que para o poeta, o contato com essa esfera acaba sendo também um contato com sua única esfera válida, a única faceta de sua vida que valeu a pena: ou seja, a faceta do passado. Leia-se:

         E em desvario, no pranto alicerçado,
         Foi-se moldando minha face lúrida,
         Como o brilho d'outrora inapagado...

Isso explica o surgimento de poemas com um pendor social tão latente como A Parada Na Estação. Ou em poemas onde a contemplação do Silêncio consegue ser feita por si só, de modo que o poeta consegue inclusive um feito interessante: o de dar voz ao silêncio. É o caso de A Orquestra do Silêncio, em que se nota, além do bem realizado verso "Confortada num tom enlanguescente", ou o "A partícula plena, o som intacto", um caminho, uma via de acesso ao crepúsculo sem o tom de desespero que se poderia vislumbrar em outros poetas do grupo, numa cena de grande placidez que lembraria o tratamento de Derek a seus poemas. Em O Convívio Vicejante esse paralelo se faz de modo mais claro, com a diferença de seus versos, como ocorre com a ideia de "Fluía ao cedro a seiva das jornadas...", exibirem um cenário menos estático, aparentando mais um silêncio que de fato uma natureza-morta (isto é, um momento de silêncio e não um silêncio de fato).

Seja como for, seu giro interior acaba desembocando no poema A Morte em 1914, um prenúncio de que a morte se apossa da figura do Outro, o que já foi antevisto nas técnicas de ficcionalização de Nestório, para alcançar, em outros poetas fora do grupo (e frequentes no Recanto das Letras), uma concepção heroica, uma concepção social, saindo e ao mesmo tempo não saindo da esfera egótica do Eu. Veja-se:

         Vagam águas que causam-nos sorrisos,
         E refletem um céu extenso e rico,
         Congelando-se a vinda d'um inverno!

Tratando uma cena tão anterior à sua existência, o poeta acaba tratando de uma dor, de um sentimento que é, ao mesmo tempo, alheio e seu. Ou seja: o contrário dos poetas até aqui comentados do grupo, que não encaravam (ou vez outra faziam-no) esse tipo de situação como podendo ser alheia à sua esfera, mas apenas como podendo ser sua, podendo ser somente um representante de seu sentimento. Naturalmente, isso não implica uma mudança radical na concepção romântica que se insere em seus versos. Estamos, na verdade, vendo dois lados da moeda que, por mais que sejam opostos, são, como todas as coisas verdadeiramente opostas, complementares.

QUATRO POEMAS RECOMENDADOS: Sepulcro Flóreo, A Orquestra do Silêncio, Minha História, A Morte em 1914.


PÓS-ESCRITO:
QUEM FICOU DE FORA.

Algumas pessoas ficaram de fora. O objetivo inicial do meu comentário, que classificava os poetas num ordenamento sinestésico, era muito, muito mais ambicioso. Eu queria entender o funcionamento do Recanto das Letras de maneira geral. Pode parecer ser à priori simples ou até mesmo despiciendo; contudo, advogo, como o leitor deve ter visto em minha Nota Introdutória, por uma visão mais complexa possível do fenômeno poético.

Hoje abaixei a crista. E, pelo menos para não deixar o trabalho de todo inconcluso, forneço aqui o término de meus comentários sobre os integrantes dA Lira. Obviamente que sem o tom de lisonja que acabei imprimindo em grande parte no comentário acima, pelas razões também acima descritas, e obviamente que tentando ser mais compacto, coisa que, de resto, eu deveria ter sido desde o começo.

Ivan Eugênio da Cunha está lançando seu primeiro livro, Ressonâncias. O título diz muito sobre sua poesia. A poesia de Ivan sempre me pareceu das mais musicais do grupo. Em seus primeiros sonetos, ele inclusive pontuava seus poemas de maneira muito estranha, adicionando um ponto-e-vírgula no final de cada verso, mesmo quando o verso sequer precisava, sintaticamente, disso. Não creio que seja por ignorância do autor, se bem que nas produções atuais ele abandonou o método. Seja como for, indica que ele tratava cada verso como uma espécie de nota musical. Se tomarmos a primeira estrofe do poema Eu cantarei de amor tão tristemente,

         Eu cantarei de amor tão tristemente,
         Com versos tão nefastos, tão turvados,
         Que até nos corações mais alegrados;
         Cravarei os farpões de amor descrente.

Notamos que a pausa do ponto-e-vírgula foi muito bem usado, provando que Ivan é provavelmente o único poeta do grupo que realmente entende a métrica, posto que é músico, e por isso é o mais apto a retirar bons resultados da mesma, ainda que, na prática, ele não o faça. Seja como for, seus poemas andam de verso em verso, de estrofe a estrofe, em pequenos blocos que, como no poema Fala-me destes lírios que tu vês, vão se justapondo e criando não só uma harmonia geral, mas vão gravando suas ressonâncias uns nos outros, no que presumo que a técnica geral de seu livro de estreia seja bem esta.

Vitor Silva é o mais filosófico do grupo. Senda, não preciso nem dizer, dificílima, pois, ao contrário do que o senso comum atesta, a poesia não é nem um pouco afim ao abstrato, ao vago, ao andamento conceitual da filosofia. A poesia filosófica, pelo contrário, dificilmente anda a partir de afirmações; costuma andar a partir de interrogações e desconstruções. Os casos contrários envolvem uma técnica muito apurada e que subsiste graças a instrumentos arquetípicos da poesia, como seria o caso da poesia ortônima de Pessoa, onde posso destacar, para além de sua estruturação que vai de encontro ao trovadorismo português, o frequente paisagismo que a cerca, sua sonoridade, sua dimensão metafórica bem como o fato de que ela se pauta mais a partir de negações e questionamentos que a partir de uma tessitura discursiva. Por isso nós podemos observar a razão do insucesso do autor em muitos casos, visto que faz apenas filosofia rimada, o que, por conseguinte, impele tanto a uma filosofia confusa quanto a uma poesia pouco eficiente. Mas, verdade seja dita, Vitor Silva possui seus acertos, como no caso do soneto O Poema diante do Espelho ou no caso do poema Marcenaria, com o maravilhoso verso "O verniz nunca satisfaz os nós da madeira."

Alexandre Z. da Borba também é filósofo, mas não com o mesmo pendor direto de Vitor Silva. Vai direto ao miolo. E termina por produzir a poesia mais perigosamente arcaica do grupo todo, no que basta citar seu poema Os cabelos de Giovanna (mas Alexandre tem muita leitura e entende bem a estrutura íntima da poesia arcaica). O tema é realmente muito banal, e suponho que o andamento que Alexandre lhe deu esteja longe de ser também interessante. Com exceção, talvez, do erotismo que muito bem perpassa seus versos e que certamente lhes dão uma carnalidade difícil de ser antevista nA Lira como um todo. Nesse sentido, a segunda parte do poema talvez seja a melhor, onde a mudança da cor do cabelo de Giovanna representa uma certa tomada de consciência do corpo. Não chega a me espantar muito esta característica dissonante da poesia de Alexandre em relação ao grupo pois, se o leitor perceber bem, ele é dos poucos que pratica e pratica bem o epigrama satírico.

Henrique Gomes tem um bom acervo técnico. É também um poeta carnal. Mais carnal que Alexandre, uma vez que o trato arcaico que Alexandre dá a seus versos não existe em Henrique. Pelo contrário, a poesia de Henrique é nitidamente influenciada pela primeira fase de Manuel Bandeira, o que gera uma tensão entre a carnalidade apontada e a abstração do processo. Mesmo um poema que tente atestar o contrário, como seria o caso de Delírios de luxúria, não muda a situação. (Se bem que, deste, é bom que se destaque a antinomia dos dois sonetos que foi bem trabalhada.) E assim, mesmo em seus momentos mais bem realizados, como no caso de Necessidade, o que vemos é um pastiche de Manuel Bandeira. Mas Henrique possui leitura e, se se esforçasse mais, certamente estaria mais próximo que muitos poetas do grupo no que tange a tão famigerada concreção sentimental característica da poesia.

Quintiniano também possui livro publicado. Seu perfil no Recanto, porém, é desatualizado. No panorama do grupo, é o que mais experimenta novas formas, o que, certamente, lhe torna no poeta efetivamente mais preparado. Lembro-me em especial de um poema seu que falava da morte de Mandela (mas antes dela) onde os animais se apinhavam para pressentir a morte do grande líder. Um poema comovente, em especial por ter se valido de uma imagem a um só tempo singela e inventiva, isto é: singular. (Se bem que o restante do poema era ruim.) Seus poemas, porém, de maneira geral mostram alguém que, malgrado o fato de ter acesso a muitas técnicas, não se sai bem em nenhuma delas. Mas que mostra, pelo menos, um preparo. Mostra alguém que tem lido poesia de maneira atenta, curiosa e apaixonada. O caminho mais sólido, ressalte-se, para ser um bom poeta.

John Lennon da Silva é um habilidoso dançarino. E, se crermos na frase de Paul Valéry, de que a prosa é afim à marcha e a poesia à dança, é provável que John seja o que virtualmente mais perto esteja da condição de bom poeta. Ou não. Ele também mexe muito com formas distintas, mas com a diferença de ter uma variedade de escopos bem mais ampla que a de Quintiniano, bastando que se cite fases suas de angústia profunda à louvores evangélicos. Certo que, se pensarmos bem, a angústia está próxima do evangelho por uma questão de necessidade, mas em John um pólo e outro é tratado até com distanciamento (como se fosse uma Estética de intervalos, pra me usar o título de uma prosa poética sua com boas passagens). Um experimentalista, podemos dizer de maneira geral sobre a obra de John, sem, contudo, o mesmo vigor e inteligência que ele aplica à sua dança, misturando a dança das ruas à Morte do Cisne. Lembro-me de alguns versos seus que se valiam de rimas quebradas, processo tão comum na poesia moderna que causou um certo frisson no grupo, o que, óbvio, só mostra quão neolíticos nós ainda somos.

Kleiton Muniz é prolífico e vazio. Se alguém pode ser chamado de sonetista no grupo, com todas as loas que essa denominação meio estéril pode indicar, esse alguém é Kleiton. Sua técnica é realmente muito boa (isto é, ele é fluente), e, de maneira geral, Kleiton é um poeta até bom. Do que se propõe a fazer, costuma fazer bem. Mas não tem nada a dizer, de modo que se assemelha a alguém que só sabe fazer um truque e o faz o restante da vida, acomodado ao sucesso que aquilo representa. Assim, me lembro de Kleiton escrevendo um soneto com as mesmas rimas do Soneto de Fidelidade, o que obviamente é o cúmulo da falta do que fazer. O que falta ao poeta, creio, é uma visão mais séria do ofício poético. Kleiton não cumpre a lição rilkeana básica de só escrever quando nenhuma outra forma de expressão for possível. Só aí é que ele de fato poderá demonstrar totalmente o artista talentoso que é.

Calebe Cruz é também um sonetista habilidoso como Kleiton e também experimental como John. Se você tomar seu Soneto ao Luar, que pode ser lido de várias formas distintas, vai poder observar o alcance de sua carpintaria. Obviamente que isso não é o suficiente para dizermos que tanto Calebe quanto John ou Quintiniano sejam de fato poetas experimentais, pois as "inovações" a que eles chegam ou já foram feitas antes ou podem, quando muito, nos levar a resultados poéticos que, apesar de novos, já nascem antigos, já nascem ultrapassados. Seja como for, não conhecia sua produção na época de produção de meu comentário acima feito. Se o conhecesse, certamente o poria na seleção, e certamente o poria numa posição privilegiada, pois, apesar de seu experimentalismo no final das contas apontar a uma falta do que fazer próxima da de Kleiton (e do Recanto de forma geral), assim como Kleiton ela é o suficiente para lhe diferenciar da técnica acomodada, pois impele o poeta a, pelo menos, trabalhar um pouquinho mais o aspecto formal de seus textos, especialmente o soneto, que, como bem sabemos, é tão difícil de ser feito não só por termos matemáticos, mas por termos de interesse.

Calib Kupo é o poeta do grupo que primeiro conheci. Travamos amizade no falecido fórum do Meia Palavra, lá em 2010 ou coisa do tipo. Calib é parnasiano. Pode parece ser um absurdo dizer esse tipo de coisa, mas, todo modo, o parnasianismo precisa ser reavaliado. Não no sentido de enfim descobrirmos os poetas geniais que os parnasianos foram (eles não foram) e finalmente desmerecermos os modernistas descabelados (esta concepção gangorrinha-histórica é ridícula), mas no sentido de lançarmos uma visão mais realista à nossa própria literatura. Além do mais, dentro do que Calib se propõe a fazer, ele o faz bem, e esse é até um diferencial de sua poesia em relação ao grupo, pois, enquanto o grupo se propõe a ser romântico, e o faz mal, Calib até que nada contra a corrente, pois quer ser parnasiano e é bom parnasiano. Tem bons poemas, como Escrevo, Como hei de dizer não à minha história ou Jardim de Adônis, onde a tão característica perfeição e redondeza do soneto aparece de maneira nítida. Nenhum deles, claro, eu diria pertinentes para o estágio da poesia que chegamos ou para as reivindicações poéticas de nosso tempo ou de qualquer tempo. Mas, seja como for, Calib é um poeta que tem lição a dar ao restante do grupo, especialmente no que tange o sentido de escrever pouco e só escrever aquilo que é necessário ou que pode ser aprimorado a um nível mínimo de aceitabilidade. Ele trata com seriedade seu ofício, embora sempre ressalte o contrário.

Rafael Valladão também é um poeta talentoso. Mas é incrivelmente ultrapassado. Do grupo, creio que seja o mais ultrapassado de todos, perdendo, talvez, só para o formol excessivo que Alexandre dá a seus poemas. E porém, é nítido que o formol de Alexandre é deliberado, ao passo que, em Rafael, por mais que vez outra ele tente inovar um pouquinho, ele é via de regra a solução única. Assim, se seus poemas poderiam impressionar pelo fato de um jovem garoto ter um domínio tão bom de toda uma tradição e vocabulário clássicos, que isto não engane leitor nenhum, pois o poeta possui uma incrível dificuldade de sair disso. Disso, entenda-se: de fazer com que seus poemas, de tão arcaicos, um arcaico que está pura e simplesmente fora da história, pois só atende aos caprichos, versem sobre temas que não interessam ao leitor nem por si só e nem pela forma como são mostrados. Contudo, repito que Rafael é talentoso. É um leitor empolgado com poesia, apesar de leitor ruim, visto que não apresenta um interesse universal para com a poesia que é característico dos bons leitores. Mas é um leitor empolgado e tem resultados que impressionam para sua idade. O que lhe falta é, como disse no comentário acima, abandono, reinvenção, estudo.

Fabio Henrique Pupo possui o problema de estar absolutamente perdido. Escreve, compila o que escreveu e depois está apagando tudo. Espírito extremamente instável que me lembra o de John, com o diferencial de que em Pupo é tudo mais intenso. Até mesmo a experimentação. O poeta possui um raciocínio rápido, enxerga as palavras com uma proeminência característica dos bons poetas mas não parece estar nem um pouco interessado em desenvolver seu estro, enclausurando-se com frequência quando parecia estar no caminho. Assim, lembro-me de quando Pupo montou uma antologia com seus sonetos e disponibilizou no grupo. Os sonetos em si eram horríveis, e o fato de Pupo insistir em simplesmente montar um aquivo desses apenas mostra que nem ele está de fato interessado no que de melhor tem a oferecer. Quem acompanhar sua linha do tempo no facebook poderá observar alguns poemas curtos que pipocam aqui e ali, descompromissados e calcados nos chistes, nos achados engenhosos que são muito mais interessantes e exploráveis que ficar tentando escrever sonetos para ser aceito ou que o valha. Óbvio que o caminho da poesia de achados engenhosos e fáceis é um caminho dos mais difíceis, ainda mais hoje, quando a estrela guia tão afeita a equívocos chamada "Leminski" leva as pessoas do guardanapo ao poema pregado nos objetos cotidianos. Desse modo, se torna uma poesia que tende a ser comportada e a ser convertida em curtidas, uma poesia que se compraza cada vez mais com o que disse acerca de Kleiton: um malabarista que só saiba fazer a mesma coisa sempre, encantando os leitores que se deslumbram com pouco não por serem idiotas, mas porque alguns poetas privilegiados simplesmente decidiram dar pouco. Assim sendo, o que falta a Pupo é uma descoberta própria assim como Kleiton, com a diferença de que Pupo está bons passos na frente de Kleiton. Falta-lhe uma seriedade para consigo próprio e, como disse com Rafael Valladão, um estudo mais profundo e sério do fenômeno poético.

Eduardo Rocha Edoo também possui o desprendimento de Pupo. É um poeta realmente estranho dentro do panorama do grupo, o que demonstra que o grupo se tornou em algo maior. Afinal de contas, Edoo não tem sonetos e até ridiculariza a concepção excessivamente formal: um de seus termos que mais atacam a honra-horrível do grupo é "parnasiânus". Um poeta da liberdade, podemos dizer, que também gosta muito de achados (tornados) fáceis e da poesia como algo lúdico. Tive boas discussões com ele sobre o tema. Memoráveis. Minha opinião é a de que, claro, estamos num tempo onde a liberdade é sempre muito prezada, mas não devemos nos enganar no sentido de computar apenas a liberdade antes, mas também a liberdade depois (isto é, a boa poesia possui um grau de inventividade, dentre outros, que a torna numa atividade nem tão livre assim). Lembro-me, de algumas postagens de seu facebook, de uma sequência por ele planejada de poemas sobre skatistas e que até me animou. Não sei se ele continuou seu projeto. A sensação de liberdade que ele consegue dar a seus poemas é realmente muito boa, e nesse sentido, assim como disse para com Calib, ele faz muito bem aquilo que se propõe. Falta-lhe, porém, aquilo que disse acerca de uma poesia mais incisiva, uma poesia que não seja simplesmente livre, liberta, visto que pensar a liberdade assim é pensá-la apenas como um condicionante, mas também emancipatória, onde a liberdade seja um produto, um resultado. E nesse sentido, se Pupo fosse um poeta mais compromissado consigo próprio, ele poderia ensinar muito a Edoo, visto que a poesia que realmente importa de Pupo não é tratada apenas como malabares, conforme a poesia de Edoo com frequência dá a entender, mas como tiro de escopeta.

Já saindo do grupo, mas comentando rapidamente alguns sonetistas a meu ver dignos de nota dentro do Recanto, eu poderia citar o Innocencio, um poeta de teor mais próximo de Castro Alves e Casimiro de Abreu pela temática social e pela, me desculpem o trocadilho, inocência com que aborda o tema; o Puetalóide, que tem até certo ponto um experimentalismo mais temático que formal, e que creio constitua um dos poucos poetas do Recanto que se encaminhem rumo à interrogação; o Ronaldo Trigueiros Lima, sonetista maduro que possui nítida habilidade mas, ao mesmo tempo, deficiência temática, incorrendo no crônico problema do Recanto de escrever sem ter o que dizer (mas, de todo modo, faço notar que Ronaldo é um poeta que fala muito bem da Natureza, tema que sempre surge no Recanto e que pouquíssimos conseguem tratar minimamente bem); o LordHermilioWerther, poeta também de tonalidades ultrarromânticas que possui uma poesia, assim como a de Nestório, dramático-imagética; a Ana Flor do Lácio, leitora atenta e sincera que possui características próximas das de Ronaldo Trigueiros, com a diferença de não ter o mesmo tom mais ou menos áspero e seco de Ronaldo, mas, pelo contrário, uma leveza que até hoje me parece bem dada; a Sonya Azevedo, que à priori me impressionou pelo número de sonetos ingleses em seu perfil mas que, hoje, costuma me impressionar mais no sentido de trabalhar temas fantásticos com singeleza, vale dizer, sensibilidade (apesar de ser uma sensibilidade guiada na maior parte dos casos por clichês); a Eliane Triska, que incorpora imagens românticas em seus poemas mas que consegue tratá-las de maneira eu digo até luminosa, como que sempre demonstrando o percurso arquetípico da luz que vence as trevas; a Gilma Laisa, conterrânea também de tendências ultrarromânticas que se assemelha muito à poesia de sergiomarcio; o Herculano Alencar, poeta com grande facilidade e impressionante fluidez de escrita, e tendência discursiva como a de quase ninguém no Recanto, mas que incorre no já citado problema de Kleiton (e aqui os dois disputam pau a pau a posição, pois se Kleiton mal e mal muda a roupagem formal, Herculano mal e mal muda a roupagem temática); a Edir Pina de Barros, dona de uma poesia extremamente volumosa que já tratou de praticamente tudo, dando especial ênfase à construção em ciclos, mas de maneira que, na prática, a poeta pouco tenha mudado, de modo que, apesar de sua obra incrivelmente extensa, o leitor que adentrar uma pequena parte dela pode "correr o risco" de ter tido contato virtualmente com todas (fato que pode até muito bem vir a ser uma virtude, mas que em Edir parece apontar mais para a falta de criatividade); o Aarão Filho, também dono de uma obra de proporções consideráveis onde, contudo, a predominância imagética da poesia de Edir é substituída por uma discursividade mais afim à estrutura clássica do soneto, isto é, se em Edir é comum que imagens sejam apresentadas nos quartetos e que nos tercetos a chave de ouro as incorpore numa só, em Aarão, talvez por um influxo de sua formação em Química, a composição das partes não cria um terceiro resultado, mas, via de regra, uma sobreposição; e, por fim, Marco Aurelio Vieira, que sempre me pareceu um sonetista sóbrio, também dono de uma obra volumosa, mas onde o retrato das emoções sempre se uniu ao ardor e, por conseguinte, a uma singularidade com que eram tratados, visto que temas "do coração" são mais do que comuns no Recanto (contudo, o volume excessivo de sua obra com certeza atrapalha os resultados singulares a que o poeta chega, pois ele próprio os banaliza).

Outros poderiam ser citados. Além da área dos sonetos, o poetrix sempre me interessou vivamente, e espero que um dia eu venha a comentar com mais tardar o mesmo. A área dos haicais também costumava produzir bons resultados, apesar do poetrix ter sido mais popular por sua proposta "naturalmente" mais popular. Assim, aqui eu poderia estender ainda mais meu comentário e abarcar nomes como Niuma Pessoa, de espírito sarcástico que poucos "tercetistas" efetivamente conseguem produzir; Goulart Gomes, o criador do poetrix; marcelo da veiga, um dos melhores haicaístas que conheci no Recanto; e Maíra DalMaz, que se cadastrou mais ou menos na mesma época que eu e, apesar de ter poucos acessos em seu perfil, possui uma obra que ainda hoje desperta meu interesse em especial pela dissonância que seus textos apresentam no contexto do Recanto de maneira geral: em suma, uma poeta de grande talento (de modo que acho uma pena que seu perfil tenha sido mais ou menos abandonado...).